O sono é essencial para a saúde física e mental. No entanto, muitas pessoas que sofrem de dor crônica também enfrentam problemas de sono. Este artigo examina a relação bidirecional entre sono e dor, estratégias para melhorar a higiene do sono e opções de tratamento para distúrbios do sono que podem piorar a dor.
Introdução
O sono de qualidade é vital para a função cognitiva, regulação emocional, desempenho físico e saúde em geral. Infelizmente, a dor crônica frequentemente prejudica a qualidade e a quantidade de sono, enquanto a privação do sono pode aumentar a sensibilidade à dor. Esta relação bidirecional sugere que tratar problemas de sono pode ajudar no manejo da dor crônica.
Por que dormimos?
A ciência ainda não entende completamente a função biológica do sono. No entanto, pesquisas recentes destacam o papel do sono na restauração física, plasticidade cerebral e consolidação da memória. O sono permite que o cérebro “limpe” substâncias neurotóxicas, fortaleça conexões neurais úteis e enfraqueça aquelas não utilizadas.
Privação do sono e dor
A privação do sono tem sido associada a um limiar reduzido de dor em estudos experimentais. Por exemplo, voluntários privados de sono apresentaram maior sensibilidade ao calor aplicado à pele. A privação do sono também piora a dor crônica na vida real, provavelmente por meio de efeitos pró-inflamatórios e redução da inibição descendente da dor.
Dor crônica e distúrbios do sono
Pessoas com dor crônica têm maior risco de desenvolver insônia, apneia obstrutiva do sono e síndrome das pernas inquietas. A dor em si pode interromper o sono, enquanto a falta de sono resultante piora a dor, criando um ciclo vicioso. Além disso, alguns distúrbios do sono como a apneia aumentam a inflamação, possivelmente agravando a dor crônica.
Sensibilização e Cronificação da Dor
A sensibilização é um processo chave na cronificação ou persistência da dor. Ela ocorre quando os neurônios sensoriais se tornam hiperexcitáveis, respondendo de forma exagerada a estímulos que normalmente não provocariam dor. Isso leva a uma amplificação da transdução, transmissão e percepção da dor.
Vários mecanismos contribuem para a sensibilização, incluindo:
- Sensibilização periférica – Mediadores inflamatórios como prostaglandinas e citocinas levam a mudanças bioquímicas e elétricas nos nociceptores, tornando-os hipersensíveis.
- Sensibilização central – Ocorre no sistema nervoso central, com alterações neuroplásticas que aumentam a excitabilidade de neurônios nas vias ascendentes de dor.
- Inibição descendente reduzida – Vias inibitórias que normalmente modulam a dor se tornam menos eficientes.
Esses mecanismos interactuam criando um estado de facilitação patológica da dor. Mesmo após a resolução da lesão tecidual inicial, a sensibilização mantém a experiência dolorosa.
Com o tempo, a plasticidade mal adaptativa leva a mudanças estruturais e funcionais duradouras no sistema nervoso. Isso marca a transição da dor aguda para a dor crônica. Essa cronificação envolve interações complexas entre fatores somáticos, psicológicos e sociais.
Melhorando a higiene do sono
A higiene do sono refere-se a hábitos e práticas que promovem sono reparador. As estratégias incluem:
- Manter um horário de sono regular, mesmo nos fins de semana
- Evitar cochilos longos durante o dia
- Limitar a cafeína e o álcool, especialmente à noite
- Fazer exercícios pela manhã ou início da tarde
- Estabelecer uma rotina relaxante antes de dormir
- Usar a cama apenas para dormir e relações sexuais
- Criar um ambiente escuro, tranquilo e confortável para dormir
Tratamentos para distúrbios do sono
Se as estratégias de higiene do sono por si só não resolvem os problemas, considere discutir opções de tratamento com seu médico, como:
- Terapia cognitivo-comportamental para insônia
- Medicamentos hipnóticos, como zolpidem ou eszopiclona
- Aparelho CPAP para apneia obstrutiva do sono
- Medicamentos dopaminérgicos para síndrome das pernas inquietas
- Suplementação de ferro se deficiência estiver presente
- Melatonina em doses fisiológicas (0,5-3 mg)
Conclusão
Dormir bem é crucial para o gerenciamento eficaz da dor crônica. Abordar os distúrbios do sono com estratégias comportamentais e tratamentos médicos, quando necessário, pode ajudar a melhorar a dor e a qualidade de vida. Trabalhar em conjunto com seu médico para desenvolver um plano personalizado de higiene do sono e tratamento é essencial.
CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524
Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).