No universo do esporte de alto rendimento, cada detalhe conta. A busca por uma recuperação mais rápida e um alívio eficaz da dor é uma constante na vida de qualquer atleta. Em meio a um arsenal de terapias, uma técnica tem ganhado cada vez mais popularidade em clínicas de dor e centros de treinamento: o dry needling, ou agulhamento a seco. A imagem de agulhas finas sendo inseridas em músculos tensos pode parecer intimidante, mas a promessa de alívio rápido faz com que muitos atletas recorram a ela. Mas, para além da popularidade, o que a ciência realmente diz sobre sua eficácia e segurança?
O dry needling é uma técnica terapêutica que utiliza agulhas filiformes, semelhantes às de acupuntura, para penetrar a pele e estimular os chamados pontos-gatilho miofasciais. Esses pontos são essencialmente “nós” dolorosos e tensos que se formam nas fibras musculares devido a sobrecarga, estresse ou lesões. Diferente da acupuntura, que se baseia nos princípios da medicina tradicional chinesa de meridianos e fluxo de energia, o dry needling tem um foco anatômico e neurofisiológico ocidental. O objetivo é desativar esses pontos-gatilho, reduzir a dor, aliviar a rigidez e restaurar a função muscular.
Com o aumento da intensidade dos treinos e calendários de competição cada vez mais apertados, o desgaste muscular tornou-se uma preocupação central. É nesse contexto que o agulhamento a seco surge como uma estratégia para acelerar a recuperação e gerenciar lesões sem o uso de medicamentos. Diante de tantas informações e do crescente interesse, uma equipe internacional de pesquisadores publicou uma robusta revisão sistemática na revista Sports Medicine para mapear e analisar todas as evidências científicas disponíveis sobre o uso da técnica em atletas. Este artigo se propõe a “traduzir” as complexas descobertas desse estudo para que atletas, treinadores e entusiastas do esporte possam tomar decisões mais informadas.
Mergulhando na Evidência: Como o Estudo Foi Feito

Para responder à pergunta central — o dry needling funciona para atletas? —, os pesquisadores realizaram o que é conhecido como uma revisão sistemática com mapa de lacunas de evidência. Em termos simples, eles fizeram uma grande varredura em toda a literatura científica para encontrar, avaliar e sintetizar os resultados de todos os estudos relevantes sobre o tema. Esse tipo de pesquisa está no topo da pirâmide de evidências científicas, pois oferece um panorama abrangente e crítico do conhecimento atual.
O processo foi extremamente rigoroso. Os cientistas seguiram as diretrizes PRISMA, um protocolo internacional que garante a qualidade e a transparência de revisões sistemáticas. Eles realizaram buscas em três das maiores bases de dados científicas do mundo: PubMed, Scopus e Web of Science. A busca inicial retornou 810 artigos. Após um minucioso processo de triagem, onde foram removidos estudos duplicados, irrelevantes ou que não cumpriam os critérios de qualidade, restaram 24 estudos que foram incluídos na análise final.
Os critérios de inclusão foram claros: os estudos precisavam envolver atletas de competição (excluindo amadores ou indivíduos que apenas praticam exercícios de forma recreativa), utilizar qualquer forma de dry needling como intervenção e medir resultados relacionados à dor, recuperação, desempenho físico ou risco de lesão. No total, os 24 estudos analisados englobaram 580 atletas de 13 modalidades esportivas diferentes.
Os Achados: Um Retrato da Pesquisa Atual
Quem são os atletas estudados?
A análise revelou que a maioria das pesquisas se concentra em atletas de nível de desenvolvimento ou nacional (classificados como “tier 2” e “tier 3”). Há uma notável escassez de estudos envolvendo atletas de elite, de nível mundial ou paralímpicos. Essa é uma limitação importante, pois os resultados obtidos com atletas em desenvolvimento podem não se aplicar da mesma forma àqueles que estão no auge de suas carreiras, submetidos a cargas de treino e estresse muito superiores. Por outro lado, um ponto positivo foi o equilíbrio na representação de gênero: os estudos incluíram homens e mulheres de forma relativamente equitativa, algo que nem sempre é comum na ciência do esporte.
O Foco das Pesquisas: Dor em Primeiro Lugar
A grande maioria dos estudos (cerca de 69%) investigou o efeito do dry needling sobre a percepção da dor. Outros desfechos, como força muscular, flexibilidade (amplitude de movimento) e adaptações fisiológicas, foram bem menos explorados. Geograficamente, a maior parte das intervenções (58%) foi aplicada nos membros inferiores, com foco especial nos músculos da panturrilha e da coxa.
Um Ponto Crítico: A Qualidade dos Estudos
Um dos achados mais importantes da revisão diz respeito à qualidade metodológica dos estudos existentes. Os pesquisadores avaliaram o “risco de viés” e descobriram falhas significativas. A principal delas foi a falta de “cegamento” (blinding, em inglês). Em apenas 18% dos estudos os participantes e os terapeutas foram “cegados”, ou seja, não sabiam quem estava recebendo o tratamento real e quem estava recebendo um tratamento placebo (falso). Isso é problemático porque o efeito placebo — a crença de que um tratamento funciona — pode influenciar fortemente os resultados, especialmente quando se trata de dor.
Interpretando os Resultados: O Dry Needling Realmente Funciona?
Após analisar os dados, os pesquisadores chegaram a conclusões importantes que ajudam a esclarecer o papel do dry needling na medicina esportiva. A eficácia da técnica parece depender muito do contexto: se o objetivo é tratar uma lesão existente ou acelerar a recuperação após um exercício.
Alívio da Dor: O Ponto Forte do Dry Needling
O resultado mais consistente e positivo da revisão foi o efeito do dry needling no alívio da dor. Acredita-se que a inserção da agulha no ponto-gatilho desencadeia múltiplos mecanismos: promove a liberação de opioides endógenos (analgésicos naturais do corpo), provoca uma “resposta de contração local” (twitch response) que ajuda a “resetar” a fibra muscular disfuncional e aumenta o fluxo sanguíneo para a área, o que ajuda a remover resíduos metabólicos e a nutrir o tecido.
- Para atletas com lesões ou dor crônica: Nestes casos, a evidência é robusta. Estudos que investigaram atletas com condições como dor no ombro, dor patelofemoral (no joelho) ou disfunção escapular mostraram reduções significativas na intensidade da dor em comparação com grupos controle. Em um estudo, a dor chegou a diminuir 82,5%.
- Para recuperação pós-exercício em atletas saudáveis: Aqui, o cenário é bem diferente. Os resultados foram inconsistentes e variados. Alguns estudos encontraram uma redução na dor muscular tardia, enquanto outros não viram diferença significativa em comparação com um tratamento placebo ou nenhum tratamento. Os autores sugerem que a duração e a frequência da intervenção podem ser a chave: nos estudos com atletas lesionados, o tratamento geralmente envolvia múltiplas sessões ao longo de semanas. Já nos estudos de recuperação, era comum haver apenas uma única sessão.
E o Desempenho? Melhora a Força e a Flexibilidade?
Embora a redução da dor possa, teoricamente, levar a uma melhora da função muscular, a revisão encontrou poucas evidências para sustentar que o dry needling melhora diretamente os parâmetros de desempenho.
- Força Muscular: A maioria dos estudos não encontrou ganhos significativos de força, potência ou altura de salto após o tratamento com dry needling. A terapia parece não ser eficaz para “turbinar” o desempenho muscular, mas sim para restaurar a função normal quando ela está comprometida pela dor.
- Amplitude de Movimento (Flexibilidade): Os resultados foram mistos. Houve melhora da flexibilidade em alguns estudos com atletas que sofriam de dor ou lesões que limitavam seus movimentos. No entanto, em atletas saudáveis, o efeito foi menos pronunciado ou inexistente.
- Equilíbrio e Controle Motor: Um achado promissor foi observado em jogadores de basquete com instabilidade crônica de tornozelo. O grupo que recebeu dry needling demonstrou uma melhora significativa no controle postural estático, sugerindo que a técnica pode ajudar a melhorar a propriocepção (a capacidade do corpo de perceber sua posição no espaço).
Existem Riscos? Os Efeitos Adversos
A segurança é uma preocupação primordial. A revisão confirmou que o dry needling é geralmente uma técnica segura, com efeitos adversos leves e pouco frequentes. Os mais comuns incluem pequenos hematomas, sangramento pontual no local da agulha e dor durante ou após o tratamento. No entanto, os autores destacam uma falha grave: apenas 3 dos 24 estudos se preocuparam em documentar e relatar os efeitos adversos de forma explícita. Essa falta de documentação adequada limita a capacidade de avaliar completamente o perfil de segurança da técnica.
Conclusões e o Caminho a Seguir
Ao final da análise, o veredito da ciência sobre o dry needling no esporte é claro, mas cheio de nuances. A técnica parece ser uma ferramenta eficaz e segura para reduzir a dor e a rigidez muscular em atletas que já sofrem com lesões ou dores musculoesqueléticas. Nesses casos, ela pode ser um valioso complemento à reabilitação, ajudando a restaurar a função e acelerar o retorno ao esporte.
No entanto, sua utilidade para acelerar a recuperação pós-exercício em atletas saudáveis ou para melhorar diretamente o desempenho (força, potência) é muito menos clara e não foi consistentemente comprovada. Os resultados nessa área são, na melhor das hipóteses, ambíguos.
A revisão também mapeou importantes lacunas que a pesquisa futura precisa preencher. É fundamental que os estudos melhorem sua qualidade metodológica, especialmente no que diz respeito ao cegamento. Além disso, é urgente padronizar a forma como o dry needling é aplicado e relatado — qual o tamanho da agulha, por quanto tempo ela fica inserida, quantas agulhas são usadas? Sem essa padronização, é impossível determinar a “dosagem” ideal. Finalmente, há uma necessidade gritante de mais pesquisas com atletas de elite e paralímpicos, bem como estudos de longo prazo (estudos de coorte) para entender os efeitos da técnica ao longo do tempo.
Em resumo, o dry needling não é uma solução mágica, mas sim uma ferramenta específica com um propósito bem definido. Para o atleta que sofre com dor, pode ser a agulha que faltava no palheiro de opções terapêuticas. Para o atleta saudável em busca de uma vantagem de desempenho, a ciência sugere que ainda não há um atalho — o caminho continua sendo o treino consistente e a recuperação bem planejada.
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CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524
Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).