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Estudo amplo sugere que a acupuntura poderia ajudar as mulheres a aderirem aos desagradáveis tratamentos anticâncer. (Dezembro, 2017)


Publicado originalmente na Nature, em dezembro de 2017

 

Um dos maiores ensaios clínicos já conduzidos sobre a possibilidade de a acupuntura aliviar a dor em pacientes com câncer reacendeu uma discussão sobre o papel desta técnica controversa no tratamento do câncer. 

Os oncologistas que conduziram um estudo empregando acupuntura real e simulação de acupuntura em 226 mulheres, em 11 centros de câncer diferentes localizados nos Estados Unidos, afirmam que seus resultados – apresentados em dezembro/2017 no San Antonio Breast Cancer Symposium (Texas, EUA) — e concluem que esse tratamento diminui significativamente a dor em mulheres sob terapia hormonal para câncer de mama.

Eles sugerem que o tratamento poderia ajudar as pacientes a aderirem aos tratamentos anticâncer salva-vidas, potencialmente melhorando as taxas de sobrevida. Por outro lado, os céticos dizem que é praticamente impossível conduzir estudos de acupuntura totalmente duplo-cego rigorosos.    

O interesse pela acupuntura tem crescido devido às preocupações com o uso de fármacos com efeito analgésico à base de opiáceos, os quais podem ter efeitos colaterais desagradáveis e são extremamente viciantes. Por isso, nos Estados Unidos, muitos centros de câncer oferecem terapias complementares para alívio da dor.

Quase 90% dos centros de câncer designados pelo US National Cancer Institute sugerem que os pacientes experimentam a acupuntura, e mais de 70% ofertam acupuntura como tratamento para efeitos colaterais.1 Isto deixa os céticos escandalizados.

Para um deles, Steven Novella, neurologista na Yale University School of Medicine e fundador do blog Science-Based Medicine, a acupuntura não tem base científica e recomenda-la é o mesmo que “dizer aos pacientes para acreditar em mágica”.

Entretanto, Dawn Hershman, um oncologista no Columbia University Medical Centre, em Nova York, decidiu investigar se a acupuntura poderia ajudar a diminuir a dor causada por inibidores de aromatase, um dos tratamentos mais comumente usados para câncer de mama.

Estes fármacos diminuem os níveis de estrógeno e, quando usados por 5-10 anos, diminuem o risco de recorrência do câncer. Entretanto, causam efeitos colaterais, em especial uma dor semelhante a da artrite, que pode fazer com que até metade das pacientes usem a medicação de maneira irregular ou mesmo parem de toma-la de uma vez. 

Alívio significativo

Depois de um pequeno estudo conduzido em Columbia ter obtido resultados positivos,2 Hershman e seus colaboradores realizaram outro estudo maior. As 226 pacientes foram incluídas em um dentre três grupos: grupo tratado com acupuntura; grupo tratado com simulação de acupuntura, em que as agulhas foram inseridas em locais que não eram acupontos, mais superficialmente na pele; e grupo não tratado.

Os pesquisadores treinaram os acupunturistas a fornecerem tratamentos consistentes.3 Foi solicitado que as mulheres registrassem o nível da dor que estavam sentindo. Após um curso terapêutico de 6 semanas, a ‘pior dor’ no grupo tratado com acupuntura real foi classificada em uma escala de 0 a 10 com 1 ponto a menos do que nos grupos tratado com simulação e não tratado.

Este efeito alcançou significância estatística e foi maior do que o observado com alternativas como a duloxetina, um antidepressivo usado para ajudar a diminuir a dor em pacientes com câncer.4 Ao mesmo tempo, o percentual de participantes cuja dor melhorou em pelo menos 2 pontos (descritos por Hershman como alteração “clinicamente significativa”) quase duplicou, indo de 30% em ambos os grupos controle para 58% no grupo tratado com acupuntura real.

Diferente do observado com duloxetina, os benefícios persistiram após o término do curso de acupuntura. Hershman conclui que a acupuntura é uma “alternativa razoável” às medicações prescritas, como a duloxetina ou os opiáceos, nenhuma das quais foram incluídas neste estudo.

Rollin Gallagher, diretor de pesquisa sobre políticas para dor na University of Pennsylvania, na Filadelfia (EUA), e editor-chefe do periódico Pain Medicine, reconhece o estudo: “Estas metodologias são cuidadosas,” diz ele. “Há evidências moderadas a boas fornecidas por ensaios clínicos para acupuntura atualmente, e esta é mais uma contribuição.”

Efeito placebo?

Por outro lado, os céticos criticaram a pesquisa. “Independentemente do rigor do estudo com relação a outros aspectos, os acupunturistas sabiam quando estavam fornecendo tratamento real ou tratamento simulado”, argumenta Edzard Ernst, professor emérito de Medicina Complementar na University of Exeter, RU.

Segundo ele, “Isto pode ter influenciado a resposta das pacientes. Temo que este seja outro ensaio a sugerir que a acupuntura é um ‘placebo teatral’.”

Entretanto, Jun Mao, chefe de Medicina Integrativa no Memorial Sloan Kettering Cancer Centre, em Nova York (EUA), afirma que ensaios de acupuntura como os de Hershman são mais efetivamente cegos do que as abordagens de cuidado paliativo, terapia cognitivo-comportamental ou exercício, em que os participantes inevitavelmente sabem o tratamento que recebem.

Os céticos “aceitam prontamente os resultados destes campos, mas criam caso especialmente contra a acupuntura”, diz ele. “É injusto usar este único argumento para dar o assunto por encerrado.”    

Segundo Gallagher, muitos estudos sugerem que a acupuntura deflagra alterações neurofisiológicas relevantes para a dor, em condições que vão da síndrome do túnel do carpo à fibromialgia.5

Para ele, integrar a acupuntura ao cuidado médico principal, em vez de terceiriza-lo a acupunturistas independentes e, talvez, não regulamentados, minimiza o risco de dar autoridade a profissionais não científicos. “É por isso que temos que incluí-la.”  

Para Hershman, as preocupações dos céticos correm o risco de perder de vista aquilo que é melhor para os pacientes. “Dizer que algo que é farmacológico é melhor, quando isto na verdade causa toxicidades terríveis, também é problemático”, argumenta ela.

Com a acupuntura, “tentamos realizar um estudo que fosse o mais rigoroso possível. Ao final do dia, se isto manteve alguém com sua medicação ou melhorou sua qualidade de vida, então valeu a pena.”

doi: 10.1038/d41586-017-08309-y

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CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524

Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).