A acupuntura é uma prática de medicina alternativa que visa, especialmente mas não exclusivamente, o controle da dor. Liberada como tratamento total ou parcial de diversas patologias pela Organização Mundial de Saúde em 1979, a acupuntura tem sido amplamente recomendada para o controle de crises de enxaqueca, especialmente quando os tratamentos convencionais farmacológicos e não-farmacológicos melhoram as condições de frequências e intensidade das crises.
A enxaqueca (CID10 G43) é uma doença neurovascular crônica que acomete cerca de 15% da população adulta [1], e possui como principal sintoma uma dor unilateral e pulsátil na cabeça associada à vasodilação [2]. Uma vez diagnosticada, seu tratamento segue dois principais princípios: prevenir novas crises e interromper os sintomas durante a dor [3, 4].
Além de ser recomendada especialmente quando não há melhorias com tratamento convencional, a acupuntura como profilaxia da enxaqueca é indicada especialmente quando não há doenças de base e que não tenham aparente causas anatômicas. Diversos estudos demonstram, inclusive, que esse tratamento baseado na Medicina Tradicional Chinesa (MTC) tem melhora na percepção dolorosa uma vez que o mesmo age na liberação de opióides endógenos, modulação de hormônios adrenocorticotróficos e também na modulação de neuropeptídeos [5-7].
Foroughipour e colaboradores desenvolveram um trabalho publicado em 2013 cujos participantes envolviam 100 pacientes com crises de enxaquecas cujo tratamento profilático farmacológico não surtiu efeitos na melhora das dores [8].
Esses pacientes foram distribuídos de forma randômica entre grupo sham e grupo acupuntura. Ambos grupos participaram de sessões de acupuntura (verdadeira ou sham ) com duração de trinta minutos três vezes por semana. Embora a melhora no grupo acupuntura verdadeira tenha sido mais proeminente, ambos grupos apresentaram diminuição de frequência das crises após um mês de tratamento.
Entretanto, os pesquisadores observaram que essa melhora foi transiente, voltando os participantes a relatarem um aumento desses sintomas após o terceiro mês de tratamento. Portanto, esse estudo traz tanto a possibilidade de um efeito placebo do uso da acupuntura sham uma vez que os pacientes relataram uma melhora e, portanto, inconclusivo se a acupuntura per se poderia estar relacionada com diminuição dos sintomas.
A mesma conclusão de possíveis efeitos placebos observados no grupo controle de acupuntura também foi um tema levantado e discutido pelo artigo de revisão de da Silva e colaboradores publicado em 2015 [7].
Comparando os efeitos da acupuntura com o uso de fármacos, Wang L-P e colaboradores analisaram por estudo duplo simulado e randômico 140 pacientes divididos em grupo acupuntura e placebo e/ou acupuntura simulada e flunarizina [9], fármaco altamente usado para a prevenção de crises de enxaqueca [10]. Seu delineamento experimental foi bastante similar ao estudo anterior, com sessões de acupuntura três vezes por semana, e ingestão de medicamento todas as noites.
Em suas conclusões, os pesquisadores observaram que a acupuntura e placebo obtiveram melhores taxas de respostas e menor frequência de crises, sugerindo que o tratamento baseado na MTC seria mais eficaz que o uso de medicação na diminuição das crises, mas não em sua intensidade. Entretanto, é importante salientar que é delicado estabelecer a relação de comparação fármaco e acupuntura baseado nos dados demonstrados neste trabalho. Além disso, também é discutível se a acupuntura já não seria uma proposta de tratamento para a enxaqueca especialmente em casos onde não se tenha remissão com fármaco.
Mas a acupuntura, embora não pareça ter diferenças significativas na percepção da dor da enxaqueca entre os grupos controle e acupuntura verdadeira, pode ter outros efeitos biológicos associados. Um estudo publicado em 2014 demonstrou que, de fato, esse tratamento não-convencional pode gerar alterações de ativação encefálica pelo experimento de ressonância magnética [11].
Neste trabalho, foram aleatoriamente alocados 80 participantes com enxaqueca em um grupo com acupuntura ativa (isto é, segundo os pontos e diretrizes indicadas pela MTC), e inativa (com agulhas retráteis e, portanto, sem o efeito proposto da acupuntura) de forma simples-cego, randomizado e controlado. Ainda, todos os pacientes selecionados para esse estudo eram destros, e não faziam uso de medicamentos profiláticos nos últimos três meses e nem de analgésicos a longo prazo, diminuindo, portanto, possíveis vieses na interpretação dos resultados de neuroimagem e/ou na percepção de dor.
Nenhum dos participantes apresentou efeito adverso sério, e ambos os grupos apresentaram melhora na percepção da dor após oito semanas tanto em relação à quantidade de crises como em sua intensidade e duração, podendo ser mais uma corroboração ao possível efeito placebo nesse tratamento. Entretanto, esse estudo traz alterações significativas em estudos de neuroimagens que podem, sim, comprovar a eficácia da acupuntura em certos níveis.
Esse mesmo grupo observou, também, uma possível eficácia a longo prazo da acupuntura através de um ensaio clínico randomizado durante 24 semanas envolvendo 249 pacientes com enxaqueca sem aura, e os pesquisadores observaram uma menor frequência dos ataques e da intensidade da dor [12].
Esse estudo, de forma similar ao publicado anteriormente, também foi bem delineado a partir de um bom controle interno, com métodos rigorosos para chegar a possíveis conclusões. Entretanto, o mesmo também apresentou algumas limitações, ditas no próprio trabalho, que incluem o uso de pontos padronizados e não personalizados para cada pessoa, cegamento não completo, e a falta de comparações entre a acupuntura e a terapia padrão.
Adicionalmente, uma revisão de bibliografia publicada por Xu e colaboradores em 2018 [13] corrobora a incerteza sobre os efeitos positivos da acupuntura na enxaqueca. Nesse levantamento bibliográfico, 14 publicações abrangendo ao todo a participação de 1155 participantes dos quais metade receberam acupuntura foram tidas como não claras metodologicamente, ou com altas taxas de vieses. Ainda, dos artigos selecionados apenas três tiveram grupos controle sham e outros 3 tiveram comparação com outras abordagens, como o uso de medicamentos, por exemplo.
Com esses estudos, pode-se discutir o efeito da acupuntura em sensações subjetivas como a dor, e sua fina relação com uma possível melhora devido ao efeito placebo. Entretanto, embora inconclusivos diversos artigos na área, dados de neuroimagem são fortes indícios da possível eficácia da acupuntura na modificação de circuitos relacionados à dor – mas não necessariamente à sua percepção.
Contudo, mais estudos com controles delineados e rígidos necessitam ser feitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Bolay, H., et al., Intrinsic brain activity triggers trigeminal meningeal afferents in a migraine model. Nat Med, 2002. 8(2): p. 136-42.
2. Goadsby, P.J., et al., Pathophysiology of Migraine: A Disorder of Sensory Processing. Physiol Rev, 2017. 97(2): p. 553-622.
3. Goadsby, P.J., R.B. Lipton, and M.D. Ferrari, Migraine–current understanding and treatment. N Engl J Med, 2002. 346(4): p. 257-70.
4. Gilmore, B. and M. Michael, Treatment of acute migraine headache. Am Fam Physician, 2011. 83(3): p. 271-80.
5. Pomeranz, B. and D. Chiu, Naloxone blockade of acupuncture analgesia: endorphin implicated. Life Sci, 1976. 19(11): p. 1757-62.
6. Mayer, F.J., Acupuncture in two cases of peripheral nerve paralysis. Am J Chin Med (Gard City N Y), 1977. 5(1): p. 95-100.
7. Da Silva, A.N., Acupuncture for migraine prevention. Headache, 2015. 55(3): p. 470-3.
8. Foroughipour, M., et al., Amantadine and the place of acupuncture in the treatment of fatigue in patients with multiple sclerosis: an observational study. Acupunct Med, 2013. 31(1): p. 27-30.
9. Wang, L.P., et al., Efficacy of acupuncture for migraine prophylaxis: a single-blinded, double-dummy, randomized controlled trial. Pain, 2011. 152(8): p. 1864-1871.
10. Karsan, N., et al., Flunarizine in migraine-related headache prevention: results from 200 patients treated in the UK. Eur J Neurol, 2018. 25(6): p. 811-817.
11. Zhao, L., et al., Effects of long-term acupuncture treatment on resting-state brain activity in migraine patients: a randomized controlled trial on active acupoints and inactive acupoints. PLoS One, 2014. 9(6): p. e99538.
12. Zhao, L., et al., The Long-term Effect of Acupuncture for Migraine Prophylaxis: A Randomized Clinical Trial. JAMA Intern Med, 2017. 177(4): p. 508-515.
13. Xu, S., et al., Manual acupuncture versus sham acupuncture and usual care for prophylaxis of episodic migraine without aura: multicentre, randomised clinical trial. BMJ, 2020. 368: p. m697.
CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524
Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).