Resumo e comentários do Artigo: “Fibromyalgia: an update on clinical characteristics, aeiopathogenesis and treatment“
A fibromialgia é uma das maiores causas de dor crônica generalizada, sendo a terceira condição musculoesquelética mais comum no mundo. Sua prevalência é de 2,7% na população mundial. Apesar disso, ainda há uma escassez de tratamentos efetivos e critérios de diagnóstico, o que se dá provavelmente por conta do caráter misterioso da sua etiopatologia.
Acredita-se que a doença surge de mecanismos bottom-up (da periferia do corpo ao sistema nervoso) e também top-down (onde processos psicológicos patológicos podem existir ou não em conjunto aos patológicos físicos).
Assim, o resultado é uma polisintomatologia extremamente complexa, que envolve principalmente a dor generalizada, mas também fadiga, distúrbios do sono e sintomas funcionais ainda sem causa definida.
Mais sobre a fibromialgia
A fibromialgia pode ser caracterizada por uma condição de dor complexa sem sinais clínicos visíveis. Pode se apresentar como uma maior sensibilidade à pressão em certos pontos do corpo e também hipersensibilidade e menor limite de dor.
A dor pode afetar todo o corpo e o grau dos sintomas pode ser alterado por fatores modulatórios como estresse e comorbidades.
Pacientes com fibromialgia também podem apresentar parastesias, fadiga (mental e/ou física), insônia, baixa qualidade de sono, disfunção cognitiva e déficits de memória, dores de cabeça, dispepsia, síndrome do intestino irritável, disfunções urogenitais, problemas oculares, desconforto dos membros e problemas psicológicos (muitas vezes pacientes com fibromialgia também apresentam emoções negativas, ansiedade e até depressão e pensamentos suicidas).
Até hoje, o problema central do diagnóstico de fibromialgia é a falta de biomarcadores. Deste modo, o diagnóstico é essencialmente clínico e bastante arbitrário.
A abordagem para diagnóstico de cada paciente deve ser, então altamente individualizada e holística, considerando-se não só os sintomas mais comuns como dor e problemas de sono, como também fatores agravantes e condições diagnósticas de suporte cognitivas e motoras.
Estudos na literatura médica sobre fibromialgia
Estudos recentes tentam esclarecer os possíveis mecanismos patogênicos por trás da fibromialgia. A dor dos pacientes é provavelmente de caráter nociplástica, onde mesmo sem estímulo nocivo, a dor é real e sentida pelo sistema nervoso; porém, estas vias de sinalização da dor no sistema nervoso são afetadas por modificações reversíveis (plásticas).
Dos correlatos neurais para a dor nociplástica, foi observada a alteração na percepção de dor difusa, havendo um aumento de atividade em áreas cerebrais relacionadas com a dor.
Também foi evidenciada uma menor atividade em áreas visuais antecipadoras de dor e de analgesia e menos matéria cinzenta em regiões de processamento nociceptivo. Em adição, pacientes com fibromialgia apresentam conectividade alterada em sinais endógenos inibidores da dor, causando um desbalanço entre o sistema nociceptivo e o anti-nociceptivo.
Este desbalanço pode ser observado inclusive a nível bioquímico. Pacientes apresentam níveis aumentados de substância P (facilitador da dor), menos receptores mi-opioides (moduladores da dor), menores níveis de neurotransmissores analgésicos (como noradrenalina, serotonina e dopamina) e maiores concentrações de neurônios excitatórios (como o glutamato); o que, em conjunto, pode levar ao sintoma de hipersensibilidade e menor limite de dor.
Etiologia da fibromialgia
A despeito destes achados, a fibromialgia dificilmente possui uma única etiologia. É importante, então, levar em consideração a contribuição de fatores multimodais, de mecanismos centrais e de mecanismos periféricos que podem modular o quadro da doença.
Mecanismos periféricos, como processos inflamatórios nas juntas, podem iniciar ou reforçar a dor. Isso porque uma ativação imune pode alterar a excitabilidade de vias nociceptivas. Assim, infecções periféricas podem desencadear a fibromialgia. Pessoas com hepatite C ou HIV, por exemplo, possuem uma maior prevalência de fibromialgia.
Mecanismos centrais são especialmente relevantes para a etiopatologia da fibromialgia. Em primeiro lugar, existe a alta associação ao estresse, o qual pode também induzir ou exacerbar o quadro. A doença está bastante relacionada com traumas e abusos, estratégias de coping (lidar com situações aversivas) diminuídas e também um menor nível de resiliência.
Esta menor resiliência pode ser avaliada por uma menor variabilidade da frequência cardíaca, pois reflete uma ativação alterada do sistema nervoso autônomo frente a demandas ambientais. No caso da fibromialgia, então, o sistema nervoso autônomo pode estar hiper ou hipoativado, o que altera a resposta aos estressores ambientais. Tudo isso, conjuntamente, pode culminar no desenvolvimento de estresse pós-traumático, ansiedade e problemas de humor nos pacientes.
Em segundo lugar, a dor também é um estado mental, pois envolve fatores educacionais, sociais e cognitivos. Os estados de coping mal adaptativos podem modular a sensação e intensidade da dor subjetiva, processo também chamado de sensitização à dor cognitiva-emocional. Quadros de depressão, por outro lado, também estão muito ligados a condições de dor crônica.
Fatores secundários da dor na fibromialgia
No entanto, é difícil saber se a depressão é um fator que precede o aparecimento da doença ou se é uma condição secundária, pois a depressão é aparentemente bidirecional: a dor crônica pode envolver alterações de humor e levar a estados depressivos, mas a depressão em si também pode levar à sensitização, diminuindo o limiar nociceptivo. Distúrbios do sono também podem apresentar uma bidirecionalidade com problemas cognitivos com ansiedade e depressão. Assim, melhorar a qualidade do sono nos pacientes tem se mostrado como uma boa intervenção para reduzir a fadiga e dor na fibromialgia.
Ainda, outros fatores múltiplos estão relacionados à patogênese da doença. Existem correlações entre o risco de fibromialgia e predisposição genética ou experiências pessoais. Somando-se isso aos fatores cognitivos-emocionais, a fibromialgia se apresenta como uma condição onde a relação mente-corpo está alterada, principalmente na questão da habilidade biofisiológica de lidar com fatores estressores.
Considerando o caráter multimodal da fibromialgia, os tratamentos, em sua totalidade, devem ser holísticos e compreensivos com a individualidade do paciente. A abordagem terapêutica integrada e multidisciplinar que atualmente se é sugerida traz quatro principais pilares para o tratamento da doença.
Educação do paciente
O primeiro pilar considera a educação do paciente como ponto de partida. Antes de tudo, ele deve entender a própria condição.
Para isso, o médico deve legitimizar seu sofrimento e dor, mas também assegurar que não se trata de uma condição progressiva. Assim, é possível explicar ao paciente a necessidade de um gerenciamento pessoal, com intenções ativas de buscar melhorias nas condições de sono e relaxamento, uma vez que o estresse e distúrbios do sono são grandes problemas na doença.
Deve-se encorajar também que o paciente busque medidas não-farmacológicas ideais para ele, contanto que não sejam danosas.
Atividade física na fibromialgia
O fitness é o segundo pilar no tratamento da fibromialgia porque hoje sabe-se que, nas condições crônicas, o exercício e a perda de peso são essenciais. Modificações e correções dietárias também são de fundamental importância para que o risco de quadros inflamatórios seja diminuído.
Tratamento farmacológico
Já o terceiro pilar, o tratamento farmacológico, está focado na analgesia, de maneira mecanismo-orientada. Então, os medicamentos mais comuns para tratamento da doença são os de ação central, os antidepressivos e anticonvulsivantes.
Eles aumentam a presença de neurotransmissores inibitórios da dor, o que facilita uma diminuição da sensitização e da hiperexcitabilidade sistêmica. Outras drogas, apesar de menos usuais e com menores evidências terapêuticas, podem ser da ordem dos relaxantes musculares, dos hipnóticos, dos antipsicóticos, dos opioides analgésicos e até dos canabinoides.
O tratamento farmacológico em geral se mostra eficaz, porém há muita variação individual e grande parte deles pode levar a efeitos adversos.
Psicoterapia e tratamentos não farmacológicos para fibromialgia
O último pilar é a psicoterapia. A abordagem mais estudada e praticada no caso da fibromialgia é a cognitivo-comportamental. Aqui, o princípio é auxiliar o paciente a identificar os pensamentos mal adaptativos e desenvolver estratégias e comportamentos de coping mais efetivos.
Como essas estratégias podem ser benéficas até no longo prazo, sua importância fica clara no caso de condições crônicas.
Outros tratamentos psicológicos complementares e alternativos podem ser o tai chi e a yoga, o mindfulness, a hipnose, a acupuntura e tratamentos com estimulação elétrica. Muitas abordagens, porém, necessitam de maiores evidências comprovando sua eficácia.
Conclusão
Em conclusão, visto que a fibromialgia é uma condição comum e crescente, a necessidade de esclarecimento acerca da sua natureza é latente. A dor crônica generalizada está relacionada a alterações na percepção e no processamento de estímulos nociceptivos. A fibromialgia, cuja natureza é multifatorial, envolve uma interação complexa entre fatores neuropsicofisiológicos e estressores sócio-ambientais.
Sob esta perspectiva, é necessário que seja feita uma abordagem biopsicossocial para tratamento desta e de outras condições polimodais. A clínica deve apostar em tratamentos múltiplos e centrados no paciente, partindo tanto de tratamentos medicamentosos convencionais quanto de um autoconhecimento individual em associação a alternativas terapêuticas que os médicos e pacientes julgarem efetivas.
CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524
Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).
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