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A toxina botulínica (TxB) é uma das toxinas bacterianas mais potentes. Possui reconhecida ação terapêutica e eficaz no tratamento de algumas síndromes dolorosas. Há duas utilizações principais entre os quadros de dores: síndrome dolorosa miofascial, dor lombar crônica. Neste texto, vamos explicar como características dessa substância, seu mecanismo de ação nas dores crônicas e suas principais aplicações.

O que é a toxina botulínica?

 A toxina botulínica (TxB) é o produto da fermentação da bactéria Clostridium Botulinum, espécie anaeróbia Gram-positiva. Trata-se de um grupo de proteínas que, em altas doses, produz o botulismo. Isso ocorre devido à sua alta toxicidade quando associada aos mecanismos de ação de envenenamento.

 A TxB é comercializada em duas formas: A e B, agentes biológicos obtidos em laboratório. O tipo A é o mais utilizado. Os dois subtipos são complexos moleculares que variam entre 300 e 900 kDa, formados por uma neurotoxina de cadeia dupla de 150 kDa.

Cada cadeia, possui estrutura molecular consistente de uma porção ativa e outra inativa. A região ativa é mais leve com 50 kDa, já a porção inativa possui 100 kDa inativa. A molécula completa, então, pode fazer ligações não-covalentes a outras proteínas não-toxinas que estabilizam a toxina botulínica, evitando sua degradação.

A TxB atua no organismo como neurotoxina de alta afinidade por sinapses colinérgicas, bloqueando a liberação de acetilcolina. A vantagem de seu mecanismo de ação é que não impede a condução de sinais elétricos, tampouco, altera a síntese ou o armazenamento de acetilcolina.

A TxB pode interromper o ciclo espasmo-dor a partir do enfraquecimento seletivo da musculatura dolorosa. Nesse sentido, estudos recentes demonstram a eficácia e a segurança da toxina botulínica do tipo A (TxB-A) no tratamento de cefaleia tensional e migrânea, dores lombares crônicas e dor miofascial. Já o subtipo B (TxB-B) tem sido estudado para tratamento de diversas condições, como enxaqueca, dores pélvicas, dor miofascial e distonia cervical.


toxina botulinica


Mecanismo de ação analgésico da toxina botulínica

Os subtipos A e B são agentes biológicos obtidos em laboratório. Possuem aspecto cristalino e estável. São liofilizadas, associadas à albumina humana e utilizadas em solução de Cloreto de Sódio (NaCl) a 0,9%. No organismo humano, o complexo sofre dissociação e libera a neurotoxina pura. Isso ocorre, porque perdem a estabilidade em pH alcalino.

A TxB possui alta afinidade pelas sinapses colinérgicas, o que provoca o bloqueio na liberação de acetilcolina no local. Segundo Unno, Sakato e Issy (2005), a administração de TxB por via intramuscular provoca diminuição da contratura muscular, sem ocasionar paralisia completa. Além disso, quando o tecido é glandular, ocorre bloqueio da secreção.

A aplicação local possui rápida difusão no espaço intersticial com decorrente depósito da substância na placa neuromuscular. A partir desse momento, ocorre a inibição de acetilcolina em diferentes etapas. O processo inicia quando a TxB estabelece ligação com os receptores pré-sinápticos. Trata-se de uma ligação irreversível, altamente seletiva. Então, os receptores permitem a endocitose da molécula da neurotoxina.

Proteases presentes no neurônio provocam a clivagem da TxB em duas cadeias polipeptídicas: uma com 100 kD (kiloDaltons) e outra com 50 kD. Após clivagem, a molécula integra o citosol e se liga ao complexo proteico SNARE. Finalmente, acontece uma segunda clivagem; agora, do complexo SNARE, realizada pela cadeia leve da TxB.

Esta clivagem impede a ancoragem da vesícula sináptica na superfície interna da membrana celular. Como efeito, não há liberação de acetilcolina, com decorrente desnervação química. Esse processo resulta em uma paralisia flácida das fibras musculares.

O efeito clínico é a fraqueza ou paralisia, do tipo dose-dependente, do músculo esquelético. No primeiro momento, a TxB atinge apenas os neurônios responsáveis pela estimulação das fibras musculares propriamente ditas. Este é denominado neurônio motor alfa.

Além disso, a TxB também pode afetar os neurônios motores gama. Portanto, pode ocorrer redução do feedback aferente sobre o neurônio motor alfa. Como consequência disso, o paciente pode apresentar diminuição do tônus muscular. 


Aplicações clínicas para dor crônica

De acordo com Lang (2003), a terapia com TxB-A é segura e bem tolerada em dores crônicas. É uma boa opção quando outros regimes farmacológicos podem provocar efeitos colaterais. Por isso, o tratamento com TxB-A deveria ser considerado devido à baixa ocorrência de efeitos colaterais.

Outra vantagem da toxina botulínica é a redução do uso medicamentos adjuvantes e do tempo de ação. A TxB-A tem duração de três a quatro meses por dose. A toxina botulínica é utilizada, principalmente, para as seguintes condições: síndrome dolorosa miofascial, dor lombar crônica.

dor miofascial tratamento


Toxina botulínica na síndrome dolorosa miofascial

Os tratamentos mais utilizados para síndrome dolorosa miofascial podem ser insatisfatórios, com a persistência do desconforto por pelo menos um ano. Além disso, alguns analgésicos administrados para alívio da dor crônicas podem aumentar a ocorrência de nefropatias.

Já com a TxB, uma única aplicação pode trazer benefícios por um a três meses, sem comprometimento renal. Para melhor prognóstico, é importante o acompanhamento fisioterápico. (Porta et al, 1998).


Tratamento da dor lombar crônica

Segundo Colhado  (2009), os principais critérios para utilização da toxina botulínica no tratamento de dor lombar crônica são: dor há no mínimo seis meses; idade mínima de 18 anos; falha no tratamento medicamentoso preconizado ou em tratamento cirúrgico. Já os critérios de exclusão para este tipo de tratamento são: ressonância eletromagnética lombossacral anormal, com indicação de intervenção cirúrgica de urgência ou atenção médica; gravidez ou o seu planejamento em curso; problemas na transmissão neuromuscular; alergia conhecida à TxB-A.

A administração pode ser unilateral ou bilateral, com base no padrão de distribuição da dor. O primeiro local de injeção, de acordo com Colhado et al (2009), é o nível da vértebra de dor mais intensa. No exame físico, deve-se fazer palpação muscular profunda e pedir que o paciente diferencie a sensação dolorosa. A injeção pode ser aplicada em cinco regiões da musculatura paraespinhal entre os níveis de L1 e S1.

Estudo conduzido por Gassner (2000) indica que anestésicos locais podem ser usados como veículos para a TxB-A, sem alterações de efeitos clínicos. A cessação da analgesia pode ocorrer entre três e quatro meses após o uso.


Referências

Colhado OCG, Boeing M, Ortega LB.(2009). Toxina Botulínica no Tratamento da Dor. Rev Bras Anestesiol. 59(3):366-381.

Gassner HG, Sherris DA. (2000). Addition of an anesthetic agent to enhance the predictability of the effects of botulinum toxin type A injections: a randomized controlled study. Clin Proc, 75:701-704.

Lang AM. (2003). Botulinum toxin type A therapy in chronic pain disorders. Arch Phys Med Rehabil, 3(suppl 1): s69-73.

Setler PE. (2002). Therapeutic use of botulinum toxins: background and history. Clin J Pain.18(6 suppl):s119-124.

Unno Ek, Sakato RK, Issy AM. (2005). Estudo comparativo entre toxina botulínica e bupivacaína para infiltração de pontos-gatilho em síndrome dolorosa miofascial crônica. Rev Bras Anestesiol.55:250-255.

Porta M, Perreti A, Gamba M et al. (1998). The rationale and results of treating muscle spasm and myofascial syndromes with botulinum toxin type A. Pain Digest, 8:346-352.

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CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524

Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).

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