post-header

Estima-se que cerca de 70 a 80% das mulheres sofram com episódios de náusea e vômitos durante a gestação, especialmente em seu primeiro trimestre [1, 2], sendo sua causa ainda não completamente elucidada. Dentre essas mulheres, 0,3 a 1% sofrem com estes sintomas de forma mais acentuada, frequente e intensa, em uma patologia denominada de ‘Hiperêmese Gravídica’ [3].

Ainda, estima-se que uma parcela não apresenta ou apresentou remissão natural desses sintomas com a progressão da gravidez [4]. Portanto, tratamentos para a diminuição desses sintomas ou remissão total são bastante procurados em todos os casos em que a náusea e o vômito alterem a qualidade de vida da gestante.

Hiperêmese Gravídica

Náuseas e vômitos durante a gravidez são prevalentes, afetando aproximadamente 70-85% das gestantes. Essa condição geralmente se manifesta no primeiro trimestre e pode impactar significativamente a qualidade de vida das mulheres afetadas.

Este mal estar pode levar a vários graus de interrupção do estilo de vida. Muitas mulheres relatam alterações no funcionamento familiar, social e ocupacional devido a esses sintomas. A gravidade da NVG pode variar de desconforto leve a casos graves, conhecidos como hiperêmese gravídica (HG), que afeta cerca de 0,3-10,8% das gestantes e pode resultar em desfechos maternos e fetais negativos. A HG pode necessitar de intervenções mais agressivas, incluindo hospitalização e nutrição parenteral.

Compreender a prevalência e o impacto da náuseas e vômitos na gestação é importante por várias razões.

Primeiramente, permite que os profissionais de saúde ofereçam intervenções oportunas e adequadas, o que pode mitigar os efeitos negativos na qualidade de vida e no bem-estar geral da paciente.

Em segundo lugar, reconhecer a carga das náuseas e vômitos na gestação pode ajudar no desenvolvimento de melhores estratégias de manejo, incluindo mudanças na dieta, terapias farmacológicas e medidas de suporte.

Tratamentos Possíveis

Atualmente, alguns tratamentos são indicados para estes casos, se destacando alterações de dietas para a ingestão de alimentação com menor teor de gordura, suporte emocional durante este período, tratamento farmacológico e suplementação vitamínica. Além desses tratamentos, alguns estudos têm indicado o uso de acupuntura tradicional com os pontos pré-definidos segundo a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e/ou uso de acupuntura com pressão na área PC6, sendo um tratamento principal ou complementar reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1979.

Esse tratamento, tendo sua ideia derivada da melhoria dos sintomas de náusea e vômito em pacientes pós-operatório [5-10], ainda gera discussão sobre a base científica da possível melhora dos pacientes após as sessões indicadas e, embora haja artigos com boas perspectivas, os mesmos ainda são considerados inconclusivos por diversos pontos que serão explorados ao longo do texto.

Acupuntura para Náuseas e Vômitos

Antes de entrar em estudos sobre a acupuntura para a melhoria de sintomas de náusea e vômito durante a gravidez, dois pontos são importantes a serem discutidos. Primeiramente em relação à acupuntura focada no ponto PC6, também conhecido como ponto NEIGUAM ou ponto anti náusea, e sua ampla utilização. O interesse na estimulação do ponto PC6 se iniciou em 1986 por Dundee, demonstrando resultados favoráveis a essa técnica [11].

Esse ponto está localizado na superfície anterior do pulso entre os tendões do flexor radial do carpo e do palmar [10], com possível efeito no trato digestivo superior como demonstrado por alguns artigos de revisão na área [12, 13]. Um destes, sob autoria de Buchberger e colaboradores em 2018 [13], também traz outro ponto de importante discussão: caso a metodologia de acupuntura escolhida seja a segundo os pontos da MTC, deve-se evitar pontos próximos ao cérvix e ao útero da paciente para, assim, evitar a indução precoce ao parto.

Esclarecido esses pontos, a literatura ainda é, como dito anteriormente, inconclusiva sobre a melhoria da acupuntura nesses sintomas durante a gravidez, e sobre a superioridade, ou não, do método MTC ou PC6 de tratamento. 

Ponto Pericárdio 6 para Náuseas e Vômitos

A estimulação do ponto de acupuntura PC6 (Neiguan), localizado no antebraço, é particularmente conhecida por seus efeitos antieméticos. Primeiramente, a acupuntura no ponto PC6 ativa fibras nervosas somáticas aferentes na pele e nos músculos, que transmitem informações sensoriais ao cérebro. Essas fibras projetam-se para várias áreas do cérebro, incluindo o tronco cerebral e o hipotálamo.

A ativação do tronco cerebral pela acupuntura modula o equilíbrio entre as atividades simpática e parassimpática, o que pode reduzir a sensação de náusea. Além disso, a acupuntura promove a liberação de neurotransmissores e neuromoduladores, como a serotonina e os opioides endógenos, que têm efeitos antieméticos.

A liberação de opioides endógenos, como a β-endorfina, ocorre na área cinzenta periaquedutal (PAG) e está associada à mediação dos efeitos antieméticos e antinociceptivos da acupuntura. Outro mecanismo envolve a modulação da atividade do sistema vestibular, que é crucial no controle do equilíbrio e da percepção de movimento, frequentemente implicado na gênese da náusea.

A acupuntura pode influenciar a conexão entre o cerebelo e a ínsula, áreas cerebrais envolvidas na regulação das sensações aversivas e na percepção visceral.

Pode ocorrer eventos adversos?

Os efeitos colaterais comuns da acupuntura no tratamento da náusea são geralmente leves e transitórios. Entre os mais frequentemente relatados estão:

1. Dor e desconforto no local da inserção das agulhas: Alguns pacientes podem sentir dor, desconforto ou sensibilidade nos pontos de acupuntura durante ou após a sessão.

2. Hematomas e sangramento leve: Pequenos hematomas ou sangramentos podem ocorrer no local da inserção das agulhas, embora sejam geralmente mínimos e autolimitados.

3. Fadiga: Alguns pacientes relatam sentir-se cansados ou sonolentos após a sessão de acupuntura.

4. Tontura ou vertigem: Em raras ocasiões, os pacientes podem experimentar tontura ou vertigem durante ou após a sessão de acupuntura.

5. Reações cutâneas: Podem ocorrer reações cutâneas leves, como vermelhidão ou prurido no local da inserção das agulhas.

Estes efeitos colaterais são geralmente leves e temporários, resolvendo-se espontaneamente sem necessidade de intervenção médica. A acupuntura é considerada uma intervenção segura quando realizada por médicos qualificados.

Evidências de Estudos Científicos

Em 2002, um estudo foi realizado com cerca de 593 mulheres gestantes com até 14 semanas de forma controlada, cega e randomizada. Neste estudo, as mulheres foram divididas em quatro diferentes grupos, sendo estes: i) mulheres recebendo acupuntura tradicional segundo os pontos estabelecidos pela MTC, ii) mulheres com acupuntura na região PC6; iii) tratamento com acupuntura sham, onde os pontos pressionados eram regiões próximas às estabelecidas pela MTC; e iv) mulheres que não receberam tratamento com acupuntura, mas apenas recomendação de suplementação vitamínica e mudança de dietas, que também foram indicadas às outras participantes. O desenho experimental desta pesquisa clínica também foi considerado como bem elaborado, com a aplicação máxima de seis agulhas por sessão nos grupos que receberam acupuntura, e acompanhamento dos sintomas semanalmente pelas gestantes seguindo critérios do formulário Rhodes Index of Nausea and Vomiting Form 2. Como resultado, esse estudo nos traz uma aparente melhora da náusea no grupo da acupuntura tradicional logo na primeira semana de estudo. A partir da segunda semana, o grupo PC6 também demonstrou uma melhora nesses sintomas, e, na terceira semana, essa mesma melhoria foi observada no grupo sham. O sintoma de vômitos, por outro lado, não demonstrou diferenças em qualquer grupo e em qualquer estágio da pesquisa. Além do benefício da diminuição dos sintomas de náuseas, os pesquisadores também observaram sintomas positivos como aumento da vitalidade das gestantes, melhoria da função social e física, e na saúde mental e emocional especialmente nas mulheres alocadas no grupo (i) e (ii) [14]

Esse estudo, conduzido em 2002, apresenta um bom controle e com participantes suficientes para observar diferenças, mesmo que mínimas, em relação aos tratamentos. Houve um delineamento experimental com cuidado para ter a adição de grupos controles, e também para diminuir o viés do caráter subjetivo que é o sintoma de náusea através da aplicação de um questionário válido.

Além disso, as participantes do estudo eram cegas em relação ao tratamento recebido – exceto as do grupo (iv) – o que permite incluir também a possibilidade da remissão natural desses sintomas com a progressão da gestação. Entretanto, o fato do grupo controle (iv) não ser cego à sua alocação pode ser um ponto negativo a ser levantado, uma vez que os próprios autores trazem sobre a decepção dessas mulheres de não participarem das sessões de acupuntura. 

Outros estudos

Um estudo similar realizado por Allais e colaboradores em 2019 demonstrou melhoria dos sintomas de náusea e de vômito após as sessões de acupuntura em gestantes no primeiro trimestre da gravidez. Nesse estudo, foi realizado um protocolo padrão de sessões de 30 minutos de acupuntura com agulhas de tamanho único e segundo protocolo da MTC. Além da melhoria dos sintomas supracitados, as mulheres relataram também diminuição de frequência e intensidade de enxaquecas.

Entretanto, tais relatos parecem ter sido mais subjetivos, e há falta da adição de comparação com a população controle, podendo abrir margens à estipulação de que tais melhorias foram ocasionadas pela remissão natural desses sintomas com a progressão da gestação. Entretanto, é interessante observar que esse estudo teve critérios de exclusão de gravidez gemelar e hipertensão crônica [15]. 

Revisões de Literatura

De fato, um estudo de revisão bibliográfica publicado em 2015 demonstra a importância da exclusão de pacientes com patologias associadas que podem gerar náusea e vômitos, como no caso da hipertensão crônica. Além disso, Matthews e colaboradores discorrem nesse estudo sobre possíveis vieses na pesquisa com acupuntura em gestantes, como a alocação em grupos, o fato da pesquisa ser cega ou duplo-cega, e o relato subjetivo e/ou seletivo dos sintomas observados [16]. Nesse último ponto, em 2006 outro estudo defende a dificuldade de contornar a subjetividade do relato pessoal do sintoma da náusea, o que corrobora com um possível efeito placebo no tratamento [12]

Portanto, os artigos aqui discutidos podem demonstrar sim um efeito positivo da estimulação de pontos específicos por acupuntura na melhoria especialmente da náusea durante a gestação. Entretanto, ainda são necessários mais estudos controlados, randomizados e cegos para corroborar esse efeito positivo nas gestantes, especialmente considerando todos os pontos aqui levantados. Se cientificamente comprovado, o tratamento com acupuntura pode ser particularmente interessante uma vez que a mesma apresenta poucos efeitos colaterais indesejados para as gestantes.

REFERÊNCIAS

1. Lee, N.M. and S. Saha, Nausea and vomiting of pregnancy. Gastroenterol Clin North Am, 2011. 40(2): p. 309-34, vii.

2. Davis, M., Nausea and vomiting of pregnancy: an evidence-based review. J Perinat Neonatal Nurs, 2004. 18(4): p. 312-28.

3. Boelig, R.C., et al., Interventions for treating hyperemesis gravidarum. Cochrane Database Syst Rev, 2016(5): p. CD010607.

4. Piccini, A., et al., The Brazilian version of the Health-Related Quality of Life Questionnaire for Nausea and Vomiting of Pregnancy: translation, cross-cultural adaptation and reliability – an observational cross-sectional study. Sao Paulo Med J, 2021. 139(2): p. 147-155.

5. Abraham, J., Acupressure and acupuncture in preventing and managing postoperative nausea and vomiting in adults. J Perioper Pract, 2008. 18(12): p. 543-51.

6. Albooghobeish, M., et al., Comparison Between Effects of Acupuncture and Metoclopramide on Postoperative Nausea and Vomiting after Gynaecological Laparoscopy: A Randomized Controlled Trial. Anesth Pain Med, 2017. 7(5): p. e12876.

7. Alizadeh, R., et al., Acupuncture in preventing postoperative nausea and vomiting: efficacy of two acupuncture points versus a single one. J Acupunct Meridian Stud, 2014. 7(2): p. 71-5.

8. al-Sadi, M., B. Newman, and S.A. Julious, Acupuncture in the prevention of postoperative nausea and vomiting. Anaesthesia, 1997. 52(7): p. 658-61.

9. Cohn, A.I., Acupuncture for postoperative nausea and vomiting prophylaxis: where’s the point? Anesthesiology, 2002. 97(4): p. 1038-9; author reply 1039.

10. Ezzo, J., K. Streitberger, and A. Schneider, Cochrane systematic reviews examine P6 acupuncture-point stimulation for nausea and vomiting. J Altern Complement Med, 2006. 12(5): p. 489-95.

11. Dundee, J.W., et al., Traditional Chinese acupuncture: a potentially useful antiemetic? Br Med J (Clin Res Ed), 1986. 293(6547): p. 583-4.

12. Streitberger, K., J. Ezzo, and A. Schneider, Acupuncture for nausea and vomiting: an update of clinical and experimental studies. Auton Neurosci, 2006. 129(1-2): p. 107-17.

13. Buchberger, B. and L. Krabbe, Evaluation of outpatient acupuncture for relief of pregnancy-related conditions. Int J Gynaecol Obstet, 2018. 141(2): p. 151-158.

14. Smith, C., C. Crowther, and J. Beilby, Acupuncture to treat nausea and vomiting in early pregnancy: a randomized controlled trial. Birth, 2002. 29(1): p. 1-9.

15. Allais, G., et al., Acupuncture treatment of migraine, nausea, and vomiting in pregnancy. Neurol Sci, 2019. 40(Suppl 1): p. 213-215.16. Matthews, A., et al., Interventions for nausea and vomiting in early pregnancy. Cochrane Database Syst Rev, 2015(9): p. CD007575.

+ posts
Website | + posts

CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524

Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).