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A síndrome do intestino irritável (SII) é uma disfunção gastrointestinal caracterizada por dor abdominal ou desconforto associado a desregularidades nas fezes. Estima-se que a SII afete 11,2% da população mundial, com prevalência de 7,1% nos Estados Unidos e 5,9% no Sudeste da China. Essa desordem tem impacto negativo na qualidade de vida, e apresenta dois subtipos principais: IBS com predominância de constipação (SII-C) e SII com predominância de diarreia (SII-D), sendo que ambos representam dois terços de todos os indivíduos afetados.

Devido à falta de compreensão da fisiopatologia da SII, o tratamento consiste no controle dos sintomas, que inclui a mudança do estilo de vida, dietas especializadas, tratamento psicológico e terapia medicamentosa. Os medicamentos prescritos tem o objetivo de alterar hábitos intestinais problemáticos e/ou aliviar a dor abdominal, sendo os mais usados os antiespasmódicos, antidepressivos em doses baixas, laxantes e antidiarréicos.

Contudo, esses medicamentos fornecem apenas alívio temporário dos sintomas. Observam-se altas taxas de recaída (~ 40% na descontinuação do tratamento após 3 meses) e de interrupção da medicação (60,1%) devido à insatisfação atribuída a poucas melhorias dos sintomas.

Além disso, a terapia medicamentosa também causa efeitos adversos, tais como dor de cabeça, tontura, xerostomia e insônia. Ainda, efeitos adversos graves como desordens cardiovasculares e colite isquêmica podem ocorrer com uso a longo termo. Em suma, a insatisfação com as respostas ao tratamento e efeitos adversos relacionados à terapia medicamentosa resultaram em grande demanda por terapias alternativas.

Nesse sentido, a acupuntura é considerada um tratamento benéfico alternativo para desordens gastrointestinais. Estudos mostraram que a acupuntura contribui para o controle dos sintomas e melhora da qualidade de vida dos pacientes com SII. Contudo, alguns ensaios randomizados controlados apresentam limitações metodológicas que comprometem a qualidade da evidência, como falta de mascaramento e tamanho limitado da amostra.

Assim, Pei et al conduziram um ensaio randomizado, controlado e multicêntrico em 7 hospitais da China, realizado em um período de 20 semanas, incluindo um período de eliminação de 1 semana, período de avaliação inicial de 1 semana, período de tratamento de 6 semanas e período de acompanhamento pós-tratamento de 12 semanas. Neste período, recrutou pacientes de 18-70 anos, que preenchiam os critérios de diagnóstico de Roma III e a escala de formulário de Bristol para SII-C e SII-D, com SII por 6 meses ou mais, e que apresentaram uma pontuação de gravidade de sintoma de SII basal de 75 ou superior.

Os participantes foram divididos em subgrupos de SII-C e SII-D e, em seguida, randomizados (2:1) em grupos de acupuntura e de polietilenoglicol (PEG) 400/brometo de pinavério. Dentre os participantes do segundo grupo, os pacientes com SII-C receberam PEG 400 oral (Forlax, 10 g em pó, Beaufour Ipsen Pharma) diariamente, enquanto os pacientes com SII-D receberam brometo de pinavério oral (Dicetel, tablete de 50 mg, Abbott Products SAS) três vezes ao dia.

Para avaliação do tratamento, os pacientes completaram o questionário de auto-relato da pontuação de gravidade de sintoma de SII no início do acompanhamento e nas semanas 1, 2, 4, 6 e 18. Este questionário consiste cinco domínios com pontuação de 0 a 100 cada, sendo os domínios a mensuração da severidade da dor abdominal, número de dias com dor a cada dez dias, severidade da distensão abdominal, satisfação com os hábitos intestinais e interferência da SII na vida em geral. Além disso, também foi administrado nas semanas 8 e 16 o questionário da qualidade de vida com SII, composto por oito subescalas: disforia, interferência na atividade, imagem corporal, preocupação com saúde, evitar, alimentos, reação social, preocupações sexuais e relacionamentos.

Ao todo, 467 participantes completaram o estudo, sendo 344 no grupo que recebeu acupuntura e 175 no grupo PEG 400/brometo de pinavério. Em relação à segurança do tratamento, foram relatados efeitos adversos relacionados à acupuntura em 4% dos pacientes, sendo eles hematoma subcutâneo e dor aguda. Contudo, tais efeitos foram transientes e não houve necessidade de tratamento específico. Ademais, nenhum paciente apresentou efeitos adversos graves. Em relação aos efeitos não relacionados à acupuntura, como constipação, diarreia, entre outros, não diferiram do grupo com terapia medicamentosa.

A acupuntura reduziu a gravidade de sintomas de SII, sendo a diminuição mais acentuada (123,51 pontos) na sexta semana em comparação com o grupo PEG 400/brometo de pinavério (94,73 pontos; p<0,001). Tal efeito benéfico para a SII foi amplamente visto no grupo que recebeu acupuntura, em que 79% apresentaram diminuição de 50 pontos ou mais no questionário de gravidade de sintomas, o que indica melhora clínica. Além disso, observou-se menor taxa de terapia de resgate entre as semanas 6 e 18 em comparação ao grupo com terapia medicamentosa. Contudo, o trabalho indica efeitos satisfatórios da acupuntura para a SII-D, porém não para a SII-C.

Além da redução da severidade dos sintomas, a acupuntura também aumentou a qualidade de vida, segundo o questionário aplicado, em especial nas semanas 6 e 18. Os pacientes relataram melhora principalmente nas categorias de disforia, interferência em atividades, imagem corporal, preocupação com a saúde e relações (p≤0.001). Este trabalho, no entanto, não incluiu um grupo controle para descartar o efeito placebo da acupuntura. Contudo,o acompanhamento pós-tratamento sugere um efeito satisfatório a longo prazo da acupuntura por mais de 12 semanas, sendo que este período incoerente com um placebo. Ademais, tal resultado é consistente com ensaios prévios que sugerem a persistência dos efeitos benéficos, podendo durar por um ano.

Portanto, o trabalho que a acupuntura é um tratamento seguro e mais eficaz que o tratamento medicamentoso para o alívio da gravidade dos sintomas da SII e para a melhora da qualidade de vida dos participantes. A acupuntura atenuou a dor abdominal e distensão, aumentou a satisfação com os hábitos intestinais e reduziu a interferência que a SII causa na vida cotidiana dos pacientes.

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CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524

Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).

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