A cefaleia tensional é conhecida como uma das principais causas de dores no mundo [1]. Acometendo cerca de 34 a 78% da população brasileira [2], seus episódios podem ser ou não de efeito prolongado, tendo dentre seus sintomas uma dor em forma de pressão em toda a cabeça de forma bilateral e de intensidade leve a moderada [3]. Essa dor geralmente ocorre no final do dia, podendo ser um indicativo de fadiga crônica. Além da fadiga, há o apontamento de outras possíveis causas para essa cefaleia, como a má-postura, estresse, ansiedade, baixa qualidade de sono e problemas de visão [4, 5]. Com etiologia ainda pouco conhecida, o tratamento pode variar de acordo com a causa, dependendo especialmente das frequências das crises [6].
De diagnóstico puramente clínico [6, 7] e com base neurobiológica essencialmente serotonérgica e nitrérgica [7, 8], a principal forma de tratamento da cefaleia do tipo tensional é o uso de analgésicos, muitas vezes de uso não prescrito, o que pode trazer algumas complicações a longo prazo como riscos de cronificação da cefaleia tensional, dificultando posterior profilaxia [9, 10]. Além do tratamento medicamentoso, também pode ser indicado para o paciente a fisioterapia, a terapia cognitivo comportamental, o biofeedback e a acupuntura [11].
A acupuntura é uma terapia cujas origens advém da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), inicialmente defendida como uma prática para reestabelecimento de possíveis distúrbios energéticos que afetariam a qualidade de vida do paciente. Hoje, sabe-se que a estimulação de pontos-gatilhos em determinadas patologias pode ser um estímulo para bases neurobiológicas, como a ativação de fibras aferentes musculares e consequente liberação endógena de neurotransmissores, dentre eles os receptores opioides, beta endorfina, encefalina e serotonina [12, 13]. Para o tratamento de cefaleias, consideram-se alguns pontos mais gerais para a estimulação, como o IG4, E36, IG11 e F3.
De fato, a eficácia do tratamento de acupuntura em pacientes com cefaleia tensional tem sido objeto de estudo de diversos grupos de pesquisa. Em 2001, um estudo de Karst e colaboradores demonstrou que o tratamento com acupuntura pode influenciar na qualidade de vida dos pacientes com cefaleia tensional [14]. Nesse estudo, 69 voluntários foram randomicamente e cegamente distribuídos entre os grupos de acupuntura verdadeira ou acupuntura simulada. Entretanto, o estudo não observou alterações na frequência das crises dolorosas nem a curto ou médio prazo.
Em 2005, Melchart e colaboradores publicaram um trabalho comparando os efeitos da acupuntura tradicional, da acupuntura mínima (realizada com agulhamento superficial em pontos de não-acupuntura) e do grupo controle [15]. O grupo controle não recebeu nenhum tipo de tratamento durante o curso do estudo. Alocados de forma randomizada, o estudo foi composto por 270 voluntários com cefaleia tensional com média de idade de 43 anos. As sessões de acupuntura incluíram 12 sessões durante oito semanas com tratamento semipadronizado. Como resultado, os estudiosos observaram, de forma contrária ao estudo anteriormente descrito, uma diminuição da frequência dos sintomas dolorosos na acupuntura tradicional em relação à mínima, e diferença bem observável entre estas e o controle – possivelmente dado pelo aumento de voluntários e controles mais rígidos entre os mesmos. Entretanto, esse estudo traz a crítica da falta de cegamento dos participantes.
Por outro lado, um estudo duplo-cego recentemente publicado por Gildir e colaboradores em 2019 também demonstrou uma melhoria na sintomatologia dos pacientes com cefaleia tensional submetidos à acupuntura em pontos-gatilho quando comparados a voluntários adultos com acupuntura simulada, cujas agulhas foram aplicadas no tecido adiposo ausentes de ponto-gatilho [16]. O estudo incluiu 160 participantes com sessões de acupuntura, real ou simulada, realizadas por duas semanas totalizando seis sessões. Além da melhoria na sintomatologia da cefaleia, envolvendo melhora na intensidade, frequência e duração das crises, além de melhoria em aspectos de qualidade de vida, os autores concluem que a técnica é eficaz e segura. O estudo, entretanto, não investigou os efeitos da acupuntura nos sintomas dolorosos a longo prazo.
Além das formas clássicas da terapia com acupuntura advindas da Medicina Oriental, a conjugação da técnica de acupuntura e/ou modificações da mesma também tem se demonstrado positivas no tratamento da cefaleia tensional. Em 2009, um grupo brasileiro realizou uma pesquisa com o intuito de comparar o tratamento de estimulação transcraniana convencional e estimulação transcraniana acupuntural [17]. Distribuídas de forma randomizada e composto por oito voluntárias, todas obtiveram melhora em relação ao índice basal das escalas utilizadas. Entretanto, não houve evidências de diferenças entre os grupos.
Outra pesquisa, também no Brasil, envolveu 15 voluntários entre 20 e 30 anos e a proposta de modificação da técnica tradicional para uma acupuntura auricular. De forma geral, o estudo observou uma melhoria no grupo randomicamente alocado para a acupuntura auricular em relação ao grupo controle. Esse estudo, publicado em 2008 [7], teve em seu desenho experimental sessões semanais de acupuntura auricular durante 10 semanas.
O efeito da acupuntura também foi comparado com combinação com fisioterapia, ou apenas como monotratamento [18]. Nesse estudo, projetado e publicado por Georgoudis e colaboradores em 2018, 44 participantes foram aleatoriamente alocados no grupo controle (acupuntura como monoterapia) e grupo de terapia conjugada (acupuntura com fisioterapia), e as sessões de acupuntura incluíram a aplicação da agulha em 17 a 20 pontos diferentes, incluindo os pontos mais tradicionais para o tratamento dessa cefaleia. O estudo observou uma melhora na terapia conjugado quando comparado à monoterapia apenas na décima sessão.
A conjugação da acupuntura com técnicas a laser também foi estudada em um trabalho cujo objetivo envolvia observar o efeito dessa terapia [13]. Envolvendo 50 voluntários, o grupo acupuntura a laser foi tratado por lasers de baixa frequência nos pontos LU7, L14, GB14 e GB20, enquanto o controle foi tratado com lasers na potência de zero. O tratamento de acupuntura a laser se demonstrou positivo em todos os meses avaliados, especialmente na intensidade da dor, duração dos ataques e números de dias com cefaleia
Ainda, a monoterapia de acupuntura também foi comparada com uma terapia conjugada a exercícios físicos em um estudo publicado em 2021 [19]. Em seu delineamento experimental, o estudo a alocação randomizada em 4 grupos distintos: i) tratamento usual, ii) acupuntura, iii) exercícios físicos, e iv) terapia conjugada de acupuntura com exercícios. Todos os 95 participantes do estudo tiveram tratamentos durante seis semanas, e foram acompanhados por 3 a 6 meses. De forma geral, os resultados demonstraram que o grupo de terapia conjugada obteve uma maior redução na intensidade da dor em relação aos outros grupos, mas não observou diferenças na frequência da dor, duração média e ingestão de analgésicos. Ainda, nenhuma das monoterapias demonstrou melhora em relação ao tratamento usual.
Observando esse panorama geral dos trabalhos que utilizam a acupuntura – tradicional ou modificada – com ou sem conjugação a outras propostas de tratamento, pode-se observar que, embora alguns estudos cheguem a conclusões díspares [14, 20], o consenso geral é que a acupuntura possui efeitos promissores como aliada ao tratamento da cefaleia tensional. Essa mesma conclusão foi observada na revisão de literatura de Cochrane em 2016 [21]. Reunindo 12 ensaios com 2349 participantes ao todo, o estudo observou que, dentre os participantes que receberam sessões de acupuntura verdadeira, mais da metade relatou redução na frequência de episódios dolorosos. Ainda, alguns estudos demonstram que esse efeito pode ser prolongado por pelo menos 6 meses após a terapia.
Além da revisão de Cochrane, outras revisões também demonstram um efeito positivo da acupuntura na sintomatologia dessa cefaleia [1, 3, 22-24], algumas defendendo que a acupuntura parece ser bastante eficaz a curto prazo, sendo necessários mais estudos para observar o real efeito dessa terapia a longo prazo em pacientes com cefaleia tensional [23-25].
Pensando nessa deficiência da literatura em estudos do efeito a longo prazo da acupuntura em pacientes com cefaleia tensional, um grupo de pesquisa propõe um protocolo randomizado para futuras pesquisas [26]. Nele, eles defendem uma pesquisa randomizada, controlada e cega, com ao menos 218 participantes alocados aleatoriamente em uma proporção 1:1. Além disso, os voluntários deverão ser acompanhados em um período pós-tratamento de 24 semanas, cuja avaliação englobará a frequência das dores, intensidade média, redução de uso de medicamentos, e escalas de qualidade de vida.
Portanto, considerando os estudos aqui descritos e as revisões de literatura da área, o tratamento com acupuntura parece ser um grande aliado ao tratamento das crises dolorosas. Ainda, é um método que tem se mostrado bastante seguro e sem efeitos colaterais graves.
Entretanto, é importante observar e frisar que grande parte dos estudos na literatura possui uma falta de cegamento dos participantes e principalmente dos pesquisadores envolvidos [21], com um tamanho amostral muitas vezes baixo. Ainda, algumas outras respostas são necessárias, como o tempo de tratamento da acupuntura, efeitos a longo prazo, e a relação da acupuntura com a possível redução do uso desmedido de medicamentos feito pelos pacientes que sofrem com a cefaleia do tipo tensional [21].
REFERÊNCIAS
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CRM-SP 19759 / RQE 3179 | Atua no tratamento de reabilitação em atletas, dor aguda e dor crônica (cervicalgia, lombalgia, enxaqueca). Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Colaborador do CEIMEC – Centro de Estudo Integrado de Medicina Chinesa