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Correspondente a 11 a 15% das lesões no pé em indivíduos adultos [1, 2], a Fasceíte ou Fascite Plantar é uma síndrome dolorosa que afeta especialmente o calcanhar e a planta do pé – unilateral ou bilateralmente -, podendo envolver outras estruturas como o nervo medial do calcâneo e o nervo do músculo abdutor do quinto dedo [3].

Embora classicamente a fascite plantar seja classificada como uma síndrome inflamatória, sabe-se que a sua origem é primariamente por irritações degenerativas nessa região do membro inferior e afetam diretamente a biomecânica do pé [2, 4, 5], sendo originárias de microlesões da fáscia plantar [6] – estas podendo estar associadas a obesidade, longos períodos em pé, pés planos, sedentarismo, distúrbio de pisada durante esporte, uso de calçados inapropriados e encurtamento do tendão de Aquiles [7] – todas relacionadas com a força de tração na fase de apoio.

Além dos sintomas dolorosos, que são mais intensos pela manhã, pacientes com essa condição apresentam dificuldade de dorsiflexão do pé principalmente nos primeiros movimentos do dia [8]. Com diagnóstico essencialmente clínico e o diferencial por imagem pouco utilizado [2, 9], a fascite plantar apresenta remissão muitas vezes espontânea após 12 meses [1, 10], e o tratamento preconizado é conservador focado no alívio dos sintomas dolorosos e melhoria da qualidade de vida do paciente.

Neste tratamento, destaca-se o uso de medicamentos antiinflamatórios, além de tratamentos fisioterapêuticos como exercícios para alongamento da fáscia plantar, ultrassom, ondas de choques, e acupuntura [1, 3, 6, 9, 11]. O tratamento cirúrgico é raramente recomendado [1].


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Fascite Plantar – Dor na sola dos pés


Acupuntura no tratamento de dor

A acupuntura, de origem milenar baseada na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), tem como objetivo estimular pontos específicos – pontos-gatilhos – do corpo para restaurar o equilíbrio e, portanto, restabelecer a saúde do indivíduo. Atualmente, sabe-se que a acupuntura pode ter efeitos fisiológicos no alívio da dor por mecanismos opioides, sistema de controle inibitório difuso, e antiinflamação[10, 12] Ainda, a popularidade da acupuntura pode se dar pelo fato dessa técnica ser não-invasiva, acessível e de rápidos resultados [13]. Essa técnica é amplamente utilizada como tratamento de diversas condições de dores musculoesqueléticas, como a fascite plantar – também conhecida como Wind-Cold-Damp Bi, pela MTC. Entretanto, ainda poucos estudos com controles bem definidos e grupos aleatoriamente alocados foram feitos para demonstrar a eficácia da acupuntura – perante outros tratamentos ou não-tratamentos – nessa patologia degenerativa.

Alguns trabalhos envolvendo estudos de casos com pacientes de dores crônicas e não resolvidas com outros tratamentos conservadores começaram a dar indícios da eficácia da acupuntura nessas situações. Uma paciente de 43 anos de idade e dor no calcâneo a mais de um ano, sendo extremamente severa pela manhã (escala de dor 9 em uma escala de 0 a 10, relatada pela paciente), teve os níveis de dores diminuídas para uma escala de 4 em 10 após o tratamento de acupuntura [14].

Embora estudos de caso sejam bastante importantes para relatos de pacientes, estudos clínicos randomizados são indispensáveis para observar a eficiência do tratamento para a melhoria dos pacientes, especialmente utilizando escalas visuais analógica e escala de dor [10]. Nesse contexto, Wang e colaboradores publicaram em 2020 uma proposta de delineamento experimental de um ensaio comparando a acupuntura combinada vs. acupuntura simulada vs. controle de lista de espera para alívio da dor em pacientes com fascite plantar crônica [15]. O controle de lista de espera foi feito para observar possível remissão espontânea durante o período de experimento. Objetivando analisar pacientes com sintomas dolorosos a pelo menos seis meses, o estudo propõe como parâmetro medidas objetivas, como limiar de dor à pressão e espessura da fáscia plantar. Em seu delineamento experimental, os participantes receberão sessões de acupuntura de 30 minutos com os pontos-gatilho estimulados – grupo de acupuntura – ou pontos falsos estimulados sem penetração na pele – grupo controle sham. O grupo controle lista de espera não receberão nenhum tipo de tratamento por 16 semanas e, posteriormente, terão as quatro sessões de acupuntura gratuitamente. O resultado do experimento ainda não foi publicado.

publicados, outros trabalhos objetivaram comparar o uso da acupuntura com outros tratamentos para essa patologia. O estudo de Karagounis [16] acompanhou 38 participantes homens randomicamente alocados em dois grupos: i) tratamento com gelo, antiinflamatórios não-esteroides e alongamento diário, e ii) mesmo tratamento do grupo anterior + 16 sessões de acupuntura, duas vezes por semana. O tratamento de acupuntura foi desenhado com a escolha a partir dos pontos dolorosos locais e distais de acordo com os sintomas e diagnóstico final. No final, foi feito uma combinação de estímulo de 12 pontos-gatilhos, como o PC7 e o LI4.

Esses pesquisadores observaram uma melhoria no grupo de acupuntura em relação ao tratamento sem acupuntura e, portanto, segundo os autores, “a acupuntura deve ser considerada como um instrumento terapêutico para diminuir a dor da fascite plantar, combinada com abordagens já tradicionais”.

Entretanto, é importante salientar alguns pontos que podem ser possíveis fontes de vieses, como a mudança dos pontos estimulados caso não haja melhora na quarta a sexta sessão – e, portanto, os mesmos não foram totalmente padronizados entre os participantes.


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Estudo de 2015

Em 2015, considerado um dos estudos mais promissores em relação à sua qualidade [10], Zhang e colaboradores publicaram um estudo controlado, randomizado e acompanhado por seis meses, que demonstra que, ao estimular o ponto-gatilho PC7 em indivíduos com fascite plantar, os sintomas dolorosos foram aliviados [17]. Em seu desenho experimental, o grupo de tratamento com acupuntura foi feito por estímulo no PC7, localizado no lado palmar do antebraço, e o grupo controle por estímulo no LI4, localizado entre o primeiro e o segundo osso metacarpal. Entre seus resultados, os pesquisadores observaram que grupo PC7 teve melhoria na dor matinal após um mês de tratamento, durando até após os seis meses de acompanhamento.

Paralelamente, esses dados podem trazer outras questões bastante interessantes na discussão do efeito terapêutico da acupuntura na fascite plantar. Uma das possíveis discussões é que o ponto PC7 pode ser indicado como espelho anatômico do calcanhar (para sinal no tálamo, estrutura encefálica receptora dos estímulos sensoriais e motores). Portanto, o ponto pode alterar a excitabilidade dos neurônios hiperexcitáveis, e portanto dolorosos, no foco talâmico [10], trazendo novamente a possível base neurobiológica da acupuntura.

Ainda, ambos estudos – Karagounis e Zhang – utilizam a estimulação dos pontos LI4 e PC7 para, respectivamente, aumentar a eficiência do resultado e comparar as respostas, podendo abrir uma discussão da relação da escolha do ponto-gatilho a ser estimulado com a eficácia desse método terapêutico. De fato, estudos sugerem que o sistema opioide e o sistema de controle inibitório difuso são de ação rápida e curta – e portanto analgésico – enquanto o resultado de antiinflamação gerada pela PC7 e, portanto, duradoura pelos seis meses de estudo de Zhang, possa ser resultado da alteração de neurônios hiperexcitáveis [10].


Outros estudos

Outros trabalhos já objetivam comparar a eficácia de variações da acupuntura, como a eletroacupuntura. Em 2019, Wang e colaboradores [18] propuseram um desenho experimento do primeiro ensaio clínico randomizado comparando esses dois grupos em um tamanho amostral de 92 participantes aleatoriamente alocados em uma proporção 1:1 com 12 sessões de acupuntura (manual ou eletroacupuntura) cada.

Ainda, os pesquisadores propõem um estudo com duração de 29 semanas: linha de base de 1 semana, tratamento de 4 semanas, e acompanhamento posterior de 24 semanas.

Como pontos estimulados com ou sem onda contínua de 2Hz, foram escolhidos BL57, KI3 e BL60. Seus resultados [19] indicaram nenhuma diferença entre os dois grupos avaliados nas quatro semanas. Entretanto, pela falta de um grupo controle, não é possível afirmar se houve melhora.

Kumnerddee [20] faz o uso da eletroacupuntura acoplada a tratamento convencionais em seus estudos para observar o possível efeito dessa variação da acupuntura como terapia para a fascite plantar. Em sua pesquisa, 30 voluntários com dor crônica na fáscia plantar foram randomicamente alocados entre os grupos: i) controle, que recebeu cinco semanas de tratamentos convencionais, como alongamentos, modificação de calçados e analgésicos, e ii) acupuntura, que recebeu os mesmos tratamentos nesse período de tempo, mais as sessões de eletroacupuntura 2x por semana. Como resultado, os pesquisadores defendem que a junção da eletroacupuntura com o tratamento convencional provêm uma taxa de sucesso de 80% na dor crônica.

Já a técnica de agulhamento a seco, derivada da acupuntura tradicional e que envolve a penetração da agulha em regiões proximais à dor, Rastegar e colaboradores [21] a compararam com o uso de corticoides para alívio da dor da fascite plantar. Como resultado, os pesquisadores demonstraram que a técnica advinda da acupuntura pode ter resultados melhores a longo prazo, embora o uso do medicamento apresente uma melhora mais imediata da dor.

Embora pouco se saiba do mecanismo exato envolvendo a técnica do agulhamento a seco, esse resultado pode ser consequência de uma possível liberação de peptídeos opioides, aumento do fluxo sanguíneo e efeitos antiinflamatórios. Mas, de fato, o agulhamento a seco parece ser efeito no combate aos sintomas dolorosos da fascite plantar uma vez que houve melhoria dos participantes em relação à voluntários submetidos ao agulhamento a seco sham com agulhas não penetrantes [22].


Conclusões

Embora a acupuntura tradicional e suas variações pareçam ter resultados animadores nos trabalhos publicados, a literatura nessa área ainda não é ampla para conclusões mais finas. Por outro lado, nenhum dos trabalhos aqui citados relatam graves efeitos colaterais desse tratamento.

Para maiores discussões sobre a eficiência e eficácia da acupuntura e suas variações nessa patologia degenerativa, mais estudos científicos rigorosos, com tamanho amostral suficiente, e voluntários aleatoriamente alocados em grupos experimentais com controles bem definidos, precisam ser conduzidos e publicados.

Ainda, é importante relembrar que, por ser uma patologia multifatorial [14], sua complexidade pode também exigir um tratamento conjunto para conseguir aliviar os sintomas agudos e crônicos e, portanto, aliar a acupuntura a outros tratamentos convencionais pode ser interessante.


REFERÊNCIAS

  1. Rompe, J.D., Plantar fasciopathy. Sports Med Arthrosc Rev, 2009. 17(2): p. 100-4.
  2. Buchanan, B.K. and D. Kushner, Plantar Fasciitis, in StatPearls. 2021: Treasure Island (FL).
  3. Ferreira, R.C., Talalgias: fascite plantar. Revista Brasileira de Ortopedia, 2014. 49(3): p. 213-217.
  4. Lemont, H., K.M. Ammirati, and N. Usen, Plantar fasciitis: a degenerative process (fasciosis) without inflammation. J Am Podiatr Med Assoc, 2003. 93(3): p. 234-7.
  5. Tu, P. and J.R. Bytomski, Diagnosis of heel pain. Am Fam Physician, 2011. 84(8): p. 909-16.
  6. Cole, C., C. Seto, and J. Gazewood, Plantar fasciitis: evidence-based review of diagnosis and therapy. Am Fam Physician, 2005. 72(11): p. 2237-42.
  7. Prichasuk, S., The heel pad in plantar heel pain. J Bone Joint Surg Br, 1994. 76(1): p. 140-2.
  8. Petraglia, F., I. Ramazzina, and C. Costantino, Plantar fasciitis in athletes: diagnostic and treatment strategies. A systematic review. Muscles Ligaments Tendons J, 2017. 7(1): p. 107-118.
  9. dos Santos, L.M. and J.V.T. Miranda, Abordagem fisioterapêutica no tratamento da fascite plantar. Brazilian Journal of Development, 2021. 7(3): p. 32863-32874.
  10. Thiagarajah, A.G., How effective is acupuncture for reducing pain due to plantar fasciitis? Singapore Med J, 2017. 58(2): p. 92-97.
  11. Thompson, J.V., et al., Diagnosis and management of plantar fasciitis. J Am Osteopath Assoc, 2014. 114(12): p. 900-6.
  12. Han, J.S., Acupuncture and endorphins. Neurosci Lett, 2004. 361(1-3): p. 258-61.
  13. Romero-Morales, C., et al., Current advances and novel research on minimal invasive techniques for musculoskeletal disorders. Dis Mon, 2021. 67(10): p. 101210.
  14. Lee, T.L. and B.L. Marx, Noninvasive, Multimodality Approach to Treating Plantar Fasciitis: A Case Study. J Acupunct Meridian Stud, 2018. 11(4): p. 162-164.
  15. Wang, W., et al., Efficacy of acupuncture versus sham acupuncture or waitlist control for patients with chronic plantar fasciitis: study protocol for a two-centre randomised controlled trial. BMJ Open, 2020. 10(9): p. e036773.
  16. Karagounis, P., et al., Treatment of plantar fasciitis in recreational athletes: two different therapeutic protocols. Foot Ankle Spec, 2011. 4(4): p. 226-34.
  17. Zhang, S.P., T.P. Yip, and Q.S. Li, Acupuncture treatment for plantar fasciitis: a randomized controlled trial with six months follow-up. Evid Based Complement Alternat Med, 2011. 2011: p. 154108.
  18. Wang, W., et al., Electroacupuncture versus manual acupuncture in the treatment of plantar heel pain syndrome: study protocol for an upcoming randomised controlled trial. BMJ Open, 2019. 9(4): p. e026147.
  19. Wang, W., et al., Comparison of electroacupuncture and manual acupuncture for patients with plantar heel pain syndrome: a randomized controlled trial. Acupunct Med, 2021. 39(4): p. 272-282.
  20. Kumnerddee, W. and N. Pattapong, Efficacy of electro-acupuncture in chronic plantar fasciitis: a randomized controlled trial. Am J Chin Med, 2012. 40(6): p. 1167-76.
  21. Rastegar, S., et al., Comparison of dry needling and steroid injection in the treatment of plantar fasciitis: a single-blind randomized clinical trial. Int Orthop, 2018. 42(1): p. 109-116.
  22. Cotchett, M.P., et al., Effectiveness of trigger point dry needling for plantar heel pain: study protocol for a randomised controlled trial. J Foot Ankle Res, 2011. 4: p. 5.
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CRM-SP 19759 / RQE 3179 | Atua no tratamento de reabilitação em atletas, dor aguda e dor crônica (cervicalgia, lombalgia, enxaqueca). Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Colaborador do CEIMEC – Centro de Estudo Integrado de Medicina Chinesa