A regulação da resposta inflamatória é essencial para o combate a patógenos em humanos e animais. Contudo, em pacientes com sepse, a alta taxa de mortalidade é causada pelo excesso de fatores pró-inflamatórios liberados, conhecido como tempestade de citocinas.
Nos últimos tempos, estimulação nervosa emergiu como uma forma de tratamento da inflamação sistêmica, uma vez que foi descoberta a supressão do estado inflamatório pela estimulação elétrica eferente vagal cervical. Discute-se que a via responsável envolva a ativação de neurônios simpáticos esplênicos, contudo a estimulação vagal requer procedimentos cirúrgicos invasivos. Por conta disso, métodos alternativos estão sendo explorados, como a eletroacupuntura para condução de vias somatossensoriais autonômicas.
Há evidências do efeito desta técnica na estimulação eferente vagal, todavia ainda há lacunas no estudo sobre as vias autonômicas sensoriais. A heterogeneidade dos neurônios somatossensoriais e a falta de ferramentas para estudá-los são um desafio. Além disso, sabe-se que a noradrenalina liberada pelos neurônios simpáticos pode suprimir ou promover a liberação de citocinas pró-inflamatórias via ativação de receptores adrenérgicos distintos, contudo, ainda resta saber qual efeito a eletroacupuntura em tais neurônios poderia produzir se diferentes estados de doença causassem uma mudança nos perfis dos receptores adrenérgicos.
Sendo assim, o estudo teve como objetivo investigar as regras organizacionais sobre como a estimulação em regiões específicas do corpo conduzem vias nervosas autônomas distintas, com um foco particular na prevenção e tratamento da inflamação sistêmica. Para isso, Liu et al utilizaram uma estratégia genética interseccional para manipular células simpáticas que expressam neuropeptídeo Y (NPY) em gânglios simpáticos e/ou glândulas adrenais.
A equipe começou dando aos animais uma eletroacupuntura de 15 minutos a 3 mA em um local específico no abdômen. Este ponto de acupuntura, chamado de ST25, está associado aos nervos do baço, que é um dos principais órgãos envolvidos nas respostas imunológicas. Simularam em seguida endotoxemia com lipopolissacarídeo (LPS), uma condição inflamatória com risco de vida frequentemente vista em pacientes que sofrem infecções bacterianas ou virais graves.
Após injetar LPS em camundongos tratados, foi visto que os níveis séricos das citocinas pró-inflamatórias TNF-α e IL-6 nesses animais eram significativamente menores do que no grupo controle. As taxas de sobrevivência dos animais também mais do que dobraram. No entanto, quando a equipe deu a eletroacupuntura após a administração de LPS, os camundongos apresentaram inflamação muito maior do que aqueles que os animais não tratados, e não sobreviveram.
Ao comparar o efeito da eletroacupuntura em camundongos com um sistema nervoso alterado, determinou-se que a estimulação de alta intensidade no abdômen poderia excitar os nervos produtores de norepinefrina que conectam a coluna e o baço. A norepinefrina então ativou um tipo específico de receptores no baço que suprimiu moléculas pró-inflamatórias. Mas quando o LPS foi introduzido pela primeira vez, outro tipo de receptores esplênicos – pró-inflamatórios neste caso – tornou-se altamente expresso, e a terapia de eletroacupuntura subsequente aumentou ainda mais a inflamação, demonstrando assim como o mesmo estímulo causa resultados opostos em diferentes estágios da doença.
Em seguida, a eletroacupuntura foi aplicada em outro ponto, chamado de ST36, localizado nas patas traseiras dos animais. Observou-se que a estimulação em baixa intensidade de 0,5 mA por 15 minutos reduziu significativamente os níveis de moléculas pró-inflamatórias antes ou depois da injeção de LPS. A taxa de sobrevivência dos camundongos após a eletroacupuntura também aumentou 1 vez ou mais. Contudo, esse resultado mostrou que eletroacupuntura de baixo nível nos membros posteriores reduziu a inflamação não através do baço, mas por uma via neural diferente envolvendo os nervos vago e as glândulas supra-renais.
Tais resultados têm grandes implicações clínicas. As descobertas de que a estimulação pela acupuntura modula a inflamação sistêmica nas formas dependentes de somatotopia, intensidade e doença devem ajudar a melhorar a prática da acupuntura. Para a prevenção da inflamação sistêmica, o eixo antiinflamatório vagal-adrenal evocado pela estimulação de baixa intensidade no ponto ST36 opera em tecidos não-esplênicos, enquanto o eixo espinhal-simpático estimulado por maior intensidade pode suprimir a inflamação esplênica, embora ainda deva ser determinado se essas duas vias interagem em tecidos não esplênicos.
Assim, a dependência de intensidade sugere que a eletroacupuntura tem vantagem sobre a acupuntura tradicional, uma vez que na segunda seria mais difícil de controlar com precisão a intensidade do estímulo. Sendo assim, o estudo ilustra que a acupuntura tem base neuroanatômica, revelando que a organização somatotópica e a dependência da intensidade na condução de vias autonômicas distintas podem ajudar a otimizar os parâmetros de estimulação e melhorar eficácia e segurança no uso de acupuntura para tratar inflamação.
CRM-SP 19759 / RQE 3179 | Atua no tratamento de reabilitação em atletas, dor aguda e dor crônica (cervicalgia, lombalgia, enxaqueca). Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Colaborador do CEIMEC – Centro de Estudo Integrado de Medicina Chinesa