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Evidências clínicas para associação de acupuntura e acupressão com melhora da dor oncológica

Uma revisão sistemática e meta-análise

A dor é um sintoma angustiante experimentado por mais de 70% dos pacientes com câncer, mas controlado inadequadamente em aproximadamente 50% desses pacientes. Embora a escada analgésica da Organização Mundial da Saúde forneça abordagens eficazes para aliviar a dor oncológica, a dependência de analgésicos e os efeitos adversos das intervenções farmacológicas representam desafios críticos para o manejo da dor. Como a dor é multidimensional, uma abordagem multidisciplinar e abrangente é necessária para controlá-la com sucesso.

Assim, devido aos desafios no manejo da dor no câncer, diversas organizações, tais como a Sociedade Americana de Oncologia Clínica e a Rede Nacional Abrangente de Câncer, recomendam intervenções não-farmacológicas, dentre elas a acupuntura.

A pesquisa sobre os efeitos da acupuntura na dor oncológica, por sua vez, tem crescido e várias revisões sistemáticas foram conduzidas para estabelecer essa associação. Contudo, as descobertas têm sido inconclusivas. Todavia, ensaios clínicos randomizados (randomized clinical trials, RCTs) mais rigorosos de acupuntura e terapias relacionadas publicados nos últimos anos não foram incluídos nessas revisões.

Sendo assim, em vista do crescente número de RCTs de acupuntura ou uso de acupressão para dor oncológica e a consequente necessidade de avaliação crítica, He et al conduziram uma revisão sistemática e meta-análise das evidências da prática clínica. Dessa forma, buscaram responder se a acupuntura e a acupressão estão relacionadas à redução da dor do câncer quando comparadas a um grupo controle e ao manejo convencional da dor. E ainda avaliar a associação da combinação entre acupuntura e acupressão e a redução do uso de analgésicos em pacientes com câncer.

Para isso, o grupo utilizou bases de dados de língua inglesa e chinesa para buscar RCTs, com uma estratégia de busca que consistia em condição clínica (câncer, tumor, carcinoma, dor e analgesia), intervenção (acupuntura manual, eletroacupuntura, acupressão corporal e auricular) e tipo de estudo (RCTs). Assim, o trabalho incluiu 17 ensaios clínicos, sendo que 14 foram usados na meta-análise. Os trabalhos avaliaram amostras populacionais que variaram de 21 a 226 pacientes, sendo que no total 1111 pacientes foram incluídos nesta análise, com 515 (46%) no grupo experimental com acupuntura/acupontos, 575 (52%) no grupo controle, e 21 (2%) em RCT transversal.

Os trabalhos focaram em diferentes tipos específicos de dor oncológica, como por exemplo artralgia induzida pelo inibidor de aromatase 6, dor neuropática, dor persistente após procedimento cirúrgico, entre outros. Em 13 estudos, os critérios de inclusão limitaram a dor de moderada a intensa.  As medições da dor, no entanto, foram resultados subjetivos relatados pelos pacientes, o que causaria viés de detecção se os participantes não fossem cegos para os tratamentos. Assim, foi possível estabelecer avaliar a qualidade da evidência destes estudos. Assim, 7 RCTs abertos sem grupo controle simulado (sham) foram classificados como tendo alto risco de viés para cegamento dos participantes e resultados associados, enquanto 6 trabalhos com grupos controle simulados foram considerados de alta qualidade por terem baixo risco de viés.

Sendo assim, o grau de evidência dos trabalhos foi moderado devido à heterogeneidade entre eles. No entanto, foi possível estimar a relação entre o tratamento com acupuntura e a acupressão com a intensidade da dor oncológica. Os resultados agrupados de 7 RCTs cegos mostraram a associação entre a redução da dor e a acupuntura real, ao invés da acupuntura simulada. Já em 6 RCTs abertos, os dados mostraram que a redução na intensidade da dor foi associada a uma combinação de acupuntura e acupressão quando comparada com terapia medicamentosa com analgésicos. Ainda, 2 ensaios clínicos abertos reportaram a manutenção da dose de analgésicos durante o estudo, porém mostraram redução significativa da dose no grupo que recebeu a medicação combinada com acupuntura.

Em relação à análise do tipo de intervenção, os resultados agrupados de RCTs controlados por simulação favoreceram a acupuntura manual, com heterogeneidade reduzida entre os estudos, e a acupuntura auricular com efeito do tratamento aumentado. Já em dois estudos abertos de acupressão, o efeito aumentou com heterogeneidade reduzida. Além disso, nas análises de sensibilidade para o tipo de dor, o efeito do tratamento aumentou significativamente para os ensaios cegos nos quais a dor foi classificada como moderada a intensa.

Ainda, a revisão também avaliou a segurança do tratamento com acupuntura e acupressão. Os eventos adversos relatados foram de baixa severidade e não exigiram avaliação médica ou qualquer intervenção específica, uma vez que consistiram predominantemente de distúrbios subcutâneos e na pele ou dor leve como consequência da aplicação do tratamento na pele. Dos RCTs incluídos, 6 não relataram eventos adversos durante o período de estudos, e em nenhum deles as desistências foram atribuídas aos efeitos associados ao tratamento com acupuntura.

Portanto, a análise mostrou que a acupuntura e acupressão são tratamentos seguros para a dor oncológica e evidenciou a associação entre o efeito dessas intervenções na redução da intensidade da dor, com nível moderado de certeza. Ademais, o trabalho sugere ainda que a acupuntura possa estar ainda associada com uso reduzido de opióides quando combinada à terapia analgésica.

Os resultados são consistentes com revisões sistemáticas e meta-análises prévias que associaram a acupuntura à redução da dor do câncer em ensaios clínicos abertos. Todavia, a meta-análise presente associa a acupuntura e a redução da dor em comparação a controles simulados, o que a diferencia dos demais estudos. Isso pode estar relacionado à inclusão de estudos recentes de alta qualidade e à aplicação de critérios de inclusão mais rigorosos. Contudo, deve-se considerar também as limitações deste trabalho, como os vieses de publicação e a heterogeneidade observada que contribuiu para a diminuição do grau de evidência. 

Além disso, a dor oncológica é complexa. O tipo de dor, tratamento, como procedimento cirúrgico, quimioterapia e terapia hormonal, bem como a fase do tratamento, sobrevivência e cuidados paliativos, e método de acupuntura são fatores que contribuem para a variabilidade das estimativas. Sendo assim, é necessária mais investigação para o entendimento dos fatores que interferem na heterogeneidade.

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